Estupefata diante de nossa nova chegada a Marte, me detive nas inacreditáveis imagens do planeta vermelho. Ainda com os pequenos seres verdes na memória, marcianos da fantasia humana, me deparei com a impactante realidade do vizinho orbe: um deserto de pedras e areia, de uma beleza atávica, imemorial, bem alinhado com os estranhos momentos que vivemos.
A nitidez das fotos me levou a imaginar como seria estar naquele planeta, como seria estar num mundo sem nenhuma vida. E a despeito dos rigores térmicos, do pouco oxigênio ou da insuficiente gravidade, decidi empreender a viagem.
Ali chegando, andei pelas areias escuras, pé ante pé, cautelosamente perscrutando o desconhecido mundo no encontro dos meus sentimentos. O firmamento por sobre minha cabeça e um turbilhão de pensamentos dentro dela, me senti perdida.
Recostei-me numa pedra, talvez na tentativa de assentar minhas ideias, achando interessante não precisar recear uma picada de formiga, menos ainda de cobra ou bicho peçonhento. Mas essa curiosa impressão não durou muito e, ao mirar o horizonte, decidi novamente caminhar. Assim o fiz por vários quilômetros, quando finalmente percebi que não vinha de lugar nenhum, tampouco ia para lugar algum, era tudo mais ou menos a mesma coisa. Então, ouvi o som seco daquele mundo, estranhamente oco e estremeci. Lenta e ferozmente, qual papel queimando pelas bordas, o abissal vazio do planeta foi se fazendo presente em mim.
Atordoada, mesmo sabendo absurdo, procurei árvore ou flor, um matinho que fosse, mas não encontrei. Então busquei água, quiçá o borbulho de um córrego que se mesclasse ao surdo rugir de Marte, mas também não achei. Tampouco achei lagarta ou joaninha, nem mesmo um cachorrinho verde a procurar companhia. Foi quando compreendi que a ausência da vida é bem maior que a morte, pois, sendo a morte parte da vida, com ela se compõe, numa dialética entre o conter e o estar contido. Então, busquei em meu vocabulário palavra que representasse a ausência de vida, e descobri que não existia.
Voltei meus olhos para a abóbada celeste tentando encontrar a Terra. Uma quantidade interminável de estrelas, qual nenhum planetário conseguiria reproduzir, ressaltou ainda mais a solidão de minha alma viva. Cerrando levemente os olhos, pude ver de longe o nosso planeta em sua forma arredondada, iluminado pelo sol, em seus lindos tons de azul e branco e suas águas quase infinitas. Com auxílio da memória pude ouvir alguns de seus múltiplos sons, reconhecer cheiros e, até mesmo, me surpreender com o bater das asas de um passarinho. Exaurida por tantas experiências, me apoiei novamente numa pedra e adormeci, só despertando quando um pequeno inseto veio, enfim, me beliscar.
Em terra firme, com o verde e o doce fluir da brisa a me envolver todos os sentidos, fui surpreendida por um pensamento: se o milagre da vida não existe além do nosso pequeno planeta, como o conhecimento científico, até o momento, nos informa, então, a Terra é, sim, o coração do Universo! E não é que os antigos gregos tinham razão?!