Dentre os andarilhos das ruas centrais, mais precisamente na Miguel Couto, distingui Gerilo. Nome esquisito. Orientado por uma mulher, talvez esposa. Próximo a mim, quem me iniciara no catecismo. Soubera, há tempo, que ele havia pendurado a batina de cor preta.
Até hoje, me arrependo em não haver tocado as suas mãos, naquela passagem. Gerilo sumiu na multidão. Mas está comigo na memória: ele acaba de chegar à sala de aula do curso primário. Grupo Escolar “Thomaz Mindello”. Todos nós, crianças, de pé, fazendo o sinal-da-cruz, recitando o Pai Nosso e a Ave Maria.
Gerilo nos falava dos novíssimos (céu, purgatório e inferno) de forma pedagógica e adequada à idade que tínhamos. O paraíso era descrito com convicção; nos trazia um quase “êxtase”; os outros, penalidades, não nos mexiam as emoções pelo medo. Falava às nossas alminhas com delicadeza, com sabedoria. Nada de fogo exagerado, nem de sublimidades ingênuas: a verdade doutrinária sem exagero. Assoviava, cantava hinos, rezava um mistério do terço. Depois saía leve, a passo de anjo, deixando-nos calados, meditativos, como que banhados em rio calmo. Parecia que no ar respirávamos gotículas de Deus.
Quando o encontrei na Miguel Couto, ele estava cego, caminhando entre a multidão circunstante: o mesmo Gerilo, embora idoso, capaz de me fazer voltar a relembrar sua bondade. Retornei a escutar os ensinamentos do catequista. Ele plantou sementes para o crescimento deste cristão: operou o milagre, fazendo-me fã incondicional do Homem de Nazaré. Deveria ter dito isso a Gerilo, de passagem.