Em que é que eu pensava enquanto conduzia Juliana ao altar? Foi mais ou menos isso que alguém me perguntou na recepção que houve depois. Eu respondi que já não me lembrava, mas a verdade é que não pensei em nada. Queria chegar logo ao final do cortejo e me livrar das fisgadas daquelas dezenas de pares de olhos.
Segui mais ou menos o conselho da cerimonialista: mire o padre e vá em frente. De fato, jamais me ocorreu distribuir acenos atravessados ou risinhos marotos para os convivas. Queria cumprir com dignidade o meu papel, e pelo que me disseram consegui.
Tranquilizava-me saber que olhavam pouco para mim. O alvo nessas ocasiões é sempre a noiva, embora existam os sádicos que querem ver se o pai aguenta, se tropeça de emoção ou vai chorar. A esses respondi com uma simpática porém enfática indiferença. Que fossem rir de outro.
Findo o cortejo, entreguei minha filha ao noivo e me postei ao lado para assistir à cerimônia. Pensava no simbolismo dessa entrega, que tinha um doloroso significado. Enquanto o padre dava sequência à liturgia, deixei que a memória me levasse a caminhos antigos – e só nesse confronto entre passado e presente dei-me conta do inusitado da situação. O coração apertou, as lágrimas ameaçaram romper a armadura do peito – mas não vieram. Pelo menos, não vieram na forma aquosa com que costumam vir.
No instante do juramento observei a funda emoção dos noivos, que se antecipavam às ordens do padre e tropeçavam nas palavras; um deles chegou a oferecer a mão direita para receber a aliança. Todo esse atrapalhamento me tranquilizou, parecia um prognóstico de acertos futuros. Preocupante seria se aparentassem frieza e tivessem um perfeito domínio da situação.
Quem lida com palavras é particularmente sensível a signos, fórmulas, registros. Certamente por isso, em nenhum momento senti mais o corte do que quando a menina assinou os papéis. A presença do novo sobrenome como que lhe conferia uma nova identidade.
Agora ela era outra, era de outro, embora ainda ostentasse no nome os vestígios do que fora um dia. No mínino, dividia-se, e começava o longo e delicado processo de reconstruir sua inteireza a partir do que lhe era agora acrescentado (e tirado também). Era preciso ter maturidade para se transformar, permanecendo ela mesma.
A partir dali, entrava em sua vida um personagem mais importante do que pai, mãe, irmã e o que mais fosse. Alguém que ela conheceria como não nos conheceu. Alguém com quem dividiria os pequenos fracassos e glórias do cotidiano. Alguém com quem partilharia planos e o projeto de continuidade na Terra. Alguém, enfim, com quem pronunciaria a expressão “meu filho” para fazer tudo começar de novo.
Foi sob o peso dessas elucubrações que logo depois “enchi a cara”. Nada como isso para aliviar o coração.