Confesso sem remorso ter abandonado a leitura das “Confissões” de Santo Agostinho em diversas oportunidades e continuo arrependido pelas leituras descuidadas da autobiografia do bispo de Hipona, porque seus ensinamentos são alimento à alma, e nos municiam para os passos da nossa caminhada.
Tarde entrei nesse livro, tão rico em ensinamentos, do qual aos pouco recolhia lições que revelaram caminhos para a vida prática e espiritual. Na minha rudez de leitor remisso em busca do tempo perdido, Agostinho foi um dos autores complacentes para comigo, pouco exigindo para a compreensão de suas palavras. Mas eu abandonava a leitura antes de passar da metade do livro.
Santo Agostinho (354– 430 d.C.) inaugurou a autobiografia no sentido moderno, como não havia na literatura greco-romana da sua época, porque antes dele praticamente inexistia a escrita que sai da alma, intensamente sincera. Homem profundamente culto, abriu discussão sobre o cristianismo, a experiência moral, psicológica, e detalhando sua conversão religiosa expôs tudo com sinceridade. Intensamente franco, suas palavras ajudam a encontrar e viver com a serenidade da alma.
Falo das releituras de “Confissões”, livro clássico, indispensável para a compreensão do pensamento do autor, não para me vangloriar nem para surpreender possíveis leitores, mas sim, mostrar a astúcia e franqueza ao retornar a uma obra emblemática e de forte carga transformadora que ajudou a recuperar os rebocos da minha vida.
Como afere minuciosamente os gestos emotivos que constroem o caminho do aperfeiçoamento espiritual e da fé, Agostinho expõe sua alma e seu sofrimento para nosso conhecimento. Expondo seu espírito na obra que escreveu, a leitura desse livro permite que possamos travar uma conversa com Deus a partir de nossa pequenez. Livro poético que ajuda a encontrar caminhos com novos horizontes para nosso repouso espiritual.
No livro é consensual a repetição das sábias e confortantes palavras proferidas por Agostinho, apesar de nos incomodar: “Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!”
Não tem como deixar de repetir suas palavras de clamor e de certeza da presença divina entre nós, quando afirma que Deus habitava dentro dele, enquanto procurava Deus lá fora. “Estáveis comigo, e eu não estava convosco!”
Embriagados pela surdez, as vezes não escutamos a voz do silêncio, nem entendemos sua força transformadora. Depois da conversão, Agostinho passou a viver a floração da vida espiritual. Numa prosa fluente e com argumentação franca, nos ensina a conhecer a poesia da fraternidade cristã.
Sobre as preocupações do mundo exterior, ele deixa transparecer que às vezes impedem de sentir o perfume de Deus nas coisas ao nosso redor. Este pensador cristão reconheceu que tarde encontrou perto de si essa fragrância do rosto de Deus, de modo que a partir desse momento aprendeu a escutar o silêncio e se embriagar com sua presença.