Implicavam que a moradia era mal-assombrada. Fora de um espertalhão. Uns molecotes da rua resolveram pular uma das janelas semiabertas e de lá saíram aos berros, falando sobre um cachorro preto e um careca. O agiota era mesmo parco de cabelos. Tanto que, quando desejava negar o empréstimo, sacrificava os ralos fios, alisando-os, e rosnando, quase a ladrar, antes de enxotar o pedinte do empréstimo.
Desde que se mudara com a mulher, uma antipática e faladeira, pesada de falsos testemunhos, sabe-se lá para onde, carregando-a pelo braço, ela cantarolando, a flor artificial no cabelo avermelhado, dele não se tivera mais notícia. Estaria vivo ou morto? Ameaçado de morte, deixou a mobília toda, fugindo sob a penumbra da madrugada.
O cachorro não era fantasma, claro. Rosnava igual ao dono. Ignorava-se se a desprezada casa, um chalé grande, onde residira o agiota. O homem era de poucas palavras. Falavam nas circunvizinhanças haverem visto, em noites caladas, subir um rolo de fumaça pelo telhado. Era um sinal infalível, posto acenar para a certeza de um empréstimo, o gesto de ele triscar a ponta do charuto e soltar um riso extravagante que parava num rosnado canil.
O mato tomava as paredes, as trincava, e algumas partes já estavam tombadas. O cachorro aparecia à cata de algum osso ou restos de comida nos tambores de lixo. Tinha uma coleira. Descobriram a pista: a assinatura do agiota gravada nela.
Juntaram-se, tomaram coragem, ergueram paus e facas, entraram na casa abandonada. Demoraram a vasculhá-la. Saíram com um pacote mal enrolado, engravidado de cheques pré-datados. Com valores altos, todos em branco. Num deles constava justamente assinatura idêntica à da coleira.
O cão rosnou. Ganiu e começou a latir. Os cheques perdidos, mofados. Correu a notícia que o agiota vivia no cachorro de estimação. Hoje, ninguém lembra o acontecido. O mato derrubou o casarão mal-assombrado. O agiota e a mulher viraram lenda.