A revista Era Nova publicou na primeira página do Ano I, número 12, de 15 de setembro de 1921 um artigo de Coriolano de Medeiros sobre a vinda de D. Pedro II à João Pessoa.
Segundo Alzira de Cássia da Silva Rodrigues, no artigo Tessituras de uma Era Nova: Paraíba dos anos 1920, apresentado no XXVII Simpósio Nacional de História, realizado em 2013 na cidade de Natal, RN, o nome da revista Era Nova foi explicado pelos editores como uma homenagem a um periódico homônimo, que contou com a colaboração de alguns jovens bananeirenses; por outro lado o nome também faz alusão aos seus propósitos de elevar a revista ao mais feliz destino, a fim de contribuírem para uma Era Nova, ao seu meio, em que se concentrassem seus ideais e aspirações de arte, letras e civismo em prol da moral e ordem paraibana. Ela ainda informa: [... A Era Nova foi uma revista quinzenal ilustrada da década de 1920, produzida na Paraíba. A princípio foi fundada na cidade de Bananeiras e logo depois seu núcleo foi transferido para a capital do Estado Parahyba do Norte. Manteve-se em circulação de 1921 a 1926, quando, dela, se tem notícia pela última vez. Seu primeiro número, do ano I, data de 27 de março de 1921, foi oficialmente apresentada por seu diretor Severino de Albuquerque Lucena e seu redator-chefe Guimarães Sobrinho, com a proposta de inaugurar uma nova era nos círculos literários e intelectuais paraibanos ...].
No livro “Outras Histórias – Cultura e Poder na Paraíba (1889-1930)”, Editora Universitária, 2010, um dos fatores que mais chamou a atenção dos autores Alômia Abrantes e Martinho Guedes dos Santos Neto, sobre a revista Era Nova, está descrito a seguir, trecho extraído em parte do exemplar Era Nova, Parahyba, julho de 1923, nº48: [... Desde os dias de seu lançamento, foi a distinta qualidade de suas impressões, que exigia da revista um tipo melhor de papel, além de domínio técnico e gráfico. O papel utilizado na revista era o couché, o que permitia a utilização da policromia em cima de variados clichês e ornamentação de páginas, que, segunda uma nota da própria revista estava à mercê dos louváveis esforços dos seus diretores, em suas oficinas, num edifício amplo e elegante, seções moderníssimas de gravuras e policromia, vindas diretamente da Alemanha Exibia então uma aparência primorosa, sendo ilustrada com muitas imagens – prevalecendo os retratos de pessoas – e, por vezes, utilizando cores e fontes diversas no texto. A Era Nova pode ser considerada uma precursora dessas práticas na imprensa brasileira. Além do que, sua impressão, de ótima qualidade para os padrões da época, garantia reproduções nítidas das fotografias, caracterizado pelas técnicas de pintura sobre fotos ...].
No artigo de Alzira Rodrigues também está citado: [... A revista Era Nova manteve em média 16 números por ano, o que somaria um total de 100 números em seus seis anos de vida. A revista era editada numa média de 14 páginas, sendo quatro a cinco delas determinadas para as publicações de anúncios. O valor da assinatura anual variava de acordo com a localidade, no seu primeiro ano chegou a custar, 15$000 (15 mil-réis)1 para a capital e 20$000 para o interior e sobre o número avulso se cobrava $700. Com o passar dos anos esses valores aumentaram, mas diminuiu a diferença entre si, 20$000 para a capital e 22$000 para o interior, enquanto que o número avulso sobre para 1$000 e 1$500 respectivamente. Durante toda sua existência, foi editada nas oficinas gráficas da Imprensa Oficial, contando sempre com o apoio do governo, o que justifica em certa medida sua sobrevivência por um longo tempo, possibilitando ser produzida com excelente qualidade, sem extrapolar seu preço ...].
O artigo de Coriolano de Medeiros intitulado “As festas do imperador” escrito na Era Nova completará um século de existência desde sua publicação neste segundo semestre. Foi escrito vinte anos antes da fundação da Academia Paraibana de Letras em 14 de setembro de 1941, seu principal mentor, que hoje o homenageia denominando-se “Casa de Coriolano de Medeiros” e que estará comemorando 80 anos em breve.
Está detalhado na íntegra a seguir, com a observância da ortografia atual, com algumas informações adicionais. O artigo de Coriolano inclui alguns aspectos pouco divulgados sobre a viagem de D. Pedro II à nossa Capital.
- Festas? .... vi-as eu, quando a Parahyba (hoje João Pessoa) não tinha bondes, nem luz elétrica, nem ruas calçadas, aquilo sim, foram festas: mas hoje ...
E as moças, rindo-se da afirmativa da avó, replicaram num disfarçado remoque;
- Deviam ser boas .... naqueles tempos do azeite de mamona ... das cadeirinhas ... - Naqueles tempos mesmo! ... que pensam vocês? ... As casas ricas queimavam estearina em candelabros de prata ou de cristal finíssimo, disse a veneranda Dona Isabel dos Passos, com o olhar incendido numa chispa de indignação. E aprumando-se conforme permitiam os seus oitenta e cinco janeiros, mudou de lugar e prosseguiu: - Vocês não terão o prazer de admirar festas como as que se fizeram aqui oferecidas a D. Pedro II. E como as netas revelassem curiosidade, Dona Isabel, com um riso espetado ao último canino que possuía, começou a narrativa:
- Deviam ser boas .... naqueles tempos do azeite de mamona ... das cadeirinhas ... - Naqueles tempos mesmo! ... que pensam vocês? ... As casas ricas queimavam estearina em candelabros de prata ou de cristal finíssimo, disse a veneranda Dona Isabel dos Passos, com o olhar incendido numa chispa de indignação. E aprumando-se conforme permitiam os seus oitenta e cinco janeiros, mudou de lugar e prosseguiu: - Vocês não terão o prazer de admirar festas como as que se fizeram aqui oferecidas a D. Pedro II. E como as netas revelassem curiosidade, Dona Isabel, com um riso espetado ao último canino que possuía, começou a narrativa:
- Tinha dos meus doze para treze anos, quando se anunciou a visita do imperador e de sua mulher Dona Thereza Christina. Toda Parahyba (hoje João Pessoa) estremeceu de alegria; a prata velha saiu dos escaninhos das arcas para compra de roupas e adornos. A população rica do interior desceu apressada na preocupação dos preparativos e, como naqueles tempos quase entre nós não se falava em hotéis, não houve casa nesta cidade que, ao menos, não contasse um casal de hóspedes. Corriam rios de dinheiro; a Capital foi fatalmente varrida, aterrada; cortaram-se peças e peças de seda, da verdadeira seda de Lyon2, que não tinha fim, nem perdia a cor; não era como a seda de hoje que se rasga com o vento. Do Recife vieram artistas para adornarem igrejas, enfeitarem praças, embandeirarem as ruas, organizarem os banquetes. No cais levantou-se um Pavilhão rico, uma beleza, e em frente no Paço, como então chamavam ao palácio do governo na quadra onde está o jardim público, construíram coretos, pavilhões, barraquinhas, cascatas, bosques, uma infinidade de coisas que divertiam a gente, que alegravam os olhos. Até o nosso porto encheu-se de lanchas, escaleres, vapores, todos embandeirados.
A uma hora da tarde de 24 de dezembro de ... cinquenta ... e ... nove; foi de cinquenta e nove (1859), da torre da Conceição anunciavam que o vapor Rio Apa entrara em Cabedelo e uma grande girândola preveniu ao povo, que aceleradamente começou a descer ao Varadouro e em breve todo aquele espaço não tinha palmo de terra a descoberto. Era gente! ... e, deixem-me dizer que, como o cortejo do imperador, em concorrência estes meus olhos só viram coisa parecida naquela passeata noturna quando doutor Epitácio (Pessoa) foi escolhido presidente da República. Às quatro horas da tarde, o vapor atracou à prancha; então a gente só faltou ensandecer: girândolas, descargas, tiros de peça, apitos de vapores, vivas, músicas, cornetas, clarins; era de rebentar os ouvidos! ... O imperador saltou de fardão e calças brancas, tendo ao lado a imperatriz. Subiram ao pavilhão, onde estavam os homens e as mulheres mais notáveis da Parahyba (atual João Pessoa); aí o dr. Souza Carvalho, presidente da Câmara, entregou à Sua Majestade as chaves da cidade e em seguida houve beija-mão.
Depois de pequeno descanso, o imperador e sua mulher saíram para a matriz, no intuito de assistirem o Te-Deum.
Subiram pelas ruas do Varadouro, do Passo e, entrando na rua d’Areia, pararam junto ao grande arco de triunfo que ali se erguia. Um grupo de meninas, entre as quais eu estava, vestidas de branco, cabelos soltos, com grinaldas à fronte, aguardava o préstito e uma delas entregando a D. Pedro II belíssimo ramalhete, recitou:
Deus te salve, oh soberano,
Filho de Pedro Primeiro!
E outra menina, entregando outro ramalhete à imperatriz, concluiu:
Deus te salve, augusta esposa
Do monarca brasileiro!
Daí se encaminharam, pelas ruas da Conciliação, Consumo, Ladeira das Pedras, Rua Nova (atual Rua General Osório). Na Matriz fora feito riquíssimo docel, de onde suas majestades assistiram o ato de graças rendidas ao Poderoso. Finda a cerimônia, formou-se o cortejo voltando pela rua Nova, passando na rua da Misericórdia sob imponente arco, desceu pela rua da Baixa, subiu pela rua de São Gonçalo até o Paço, onde chegou mais ou menos às sete horas da noite. Descansaram imperador e comitiva um instante, jantaram às dez, à meia-noite ouviram a missa do galo na capela da Conceição e foram então repousar.
- Upa! Que maçada, disse uma das meninas!
- E quase ninguém dormiu nessa noite, continuou dona Isabel: desde o Paço até o Porto, as ruas ficaram enfeitadas e iluminadas a balõezinhos, constituindo-se nessa e nas seguintes noites, magnífico passeio a que o povo dava extraordinário movimento. E não só as ruas ... também as casas e sobrados deitaram luminárias e das varandas e janelas pendiam colchas de Damasco e bandeiras nacionais. Em frente do Paço havia permanente multidão que vitoriava D. Pedro II, sendo de notar que durante o dia todo mundo podia subir as escadas de palácio, onde todo o séquito imperial se acomodou, exceto o ministro do Império, que se alojou no grande sobrado, depois propriedade da família Cordeiro. Ah, ia esquecendo-me de dizer que, por ocasião do Te-Deum, formou a tropa começando da porta da matriz até defronte na Estrada Nova; isto é, pelas ruas Nova (hoje rua General Osório), Misericórdia e Direita (hoje rua Duque de Caxias); diziam serem mais de cinco mil soldados de linha e guarda nacional. Até me lembro que um coronel comandante de batalhão montava um cavalo árdego e com barretina, dragonas, bandas, espadas e tudo, foi ao chão ali defronte do beco das Mercês, causando boas risadas. E que acessíveis eram os soberanos!
O povo delirava com a simplicidade, com a bondade deles. Atendiam a todos, até mesmo os escravos que os procuravam, na esperança de liberdade! D. Pedro II montava bem; era um cavaleiro garboso e parecia uma estampa3; a cavalo, foi a Mamanguape e até Pilar. Nessa viagem, um dos que faziam parte da cavalgada foi apanhado por uma porteira de bater, em Várzea Nova e teve a perna quebrada, pois bem, de volta, o imperador foi, pessoalmente, visitar o enfermo. Mas de tudo, meninas, de tudo além de jantares, banquetes, não me esquecerei nunca do baile que se realizou no andar superior do Liceu Paraibano. Eram incontável o número de senhoras e moças; um luxo, uma riqueza! ... As voltas de mangaba, as cruzes de brilhante, os anelões, os braceletes, os alfinetes, resplandeciam no meio do brilho das fardas ou entre o escuro das casacas. Lá fui eu, com os meus cabelos encanudados com meu balão, o primeiro que usei na vida. O imperador dançou duas imperiais, uma com a mulher do chefe de polícia, outra com a do juiz de direito, tendo de frente o barão de Maraú4, presidente da Parahyba (hoje João Pessoa). D. Thereza, pelo defeito que tinha numa perna, não dançava; assistia somente; nós outras, porém, nos divertimos e ainda hoje tenho saudades das “habaneiras”. Quisera que vocês vissem; aquilo sim ...
- E o baile, então, avozinha, hein?
- Ah, o baile! ... Apesar de velha ainda o vejo com os olhos dos meus treze anos ... ainda o vejo! ...
E na entonação da afirmativa, na inflexão daquela voz, se condensavam saudades e lembranças de uma felicidade que nascera entre as luzes, as harmonias, os risos, a satisfação daquela longínqua noite de 29 de dezembro de 1859, última da visita que à Parahyba fizeram D. Pedro II e D. Thereza Christina!