Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração.
(Eduardo Galeano)
Nunca que se imaginou em viver sem abraços! Em tempos de Pandemia, a distância de dois metros é o que dita a regra da saúde e da sobrevivência. Como se não bastasse o medo, a aflição, a tristeza, o tédio, a ansiedade, não temos o abraço. Principalmente aquele que acolhe e que acalma.
Abraço, tão importante que o escritor uruguaio Eduardo Galeano, escolheu o título do seu livro – O Livro dos Abraços –, para, por entre poesias e tantos outros gêneros, recolher as vozes d´alma e oferecer síntese da realidade e sua memória. Nesses tempos de falta de abraço, recomendo a leitura por entre o mundo, a arte, a viagem, os sonhos, a memória, a coragem, as noites, os silêncios, e o céu.
Aquele Abraço! Cantou Gilberto Gil quando foi mandado embora pelos militares. E eu, cantei sempre essa música. De alegria, de banzo, de raiva, de tudo. Aquele Abraço! Pra você que me esqueceu!
O abraço ao recém nascido. De boas vindas ao mundo. Hoje é o seu dia bebê! Mas fico pensando quem nasceu por agora, pode abraçar?
Ah! o abraço dos filhos. Amamentando. Pequeninos. Peraltas. Com febre. Carentes. Dia das mães, dos pais, aniversários, Natal, Carnaval e Páscoa. Domingos e feriados. Todo dia! Ah! que falta o abraço dos pais. O meu pai, esquisito e ensimesmado, não era dos abraços. A minha mãe? Desviou-se dos abraços. Outro dia me deu um. Foi com gosto. Em busca dos tempos perdidos.
Abraços dos amigos. Celebrando. Encontrando. Re-afirmando amizades. Abraços em pé, de verdade. Tenho uma amiga que sabe disso. Bora Ana , abraçar.
Abraçar uma causa. Uma ideia. Uma ideologia. Na Biodança, quando por cinco anos fiz. A gente se encontrava na roda e se abraçava. Com estranhos, conhecidos, queridos ou não. O abraço como vitalidade e transcendência. E o abraço da dança. Corpos juntos , ritmados, dois pra lá e dois pra cá. Tem sensação mais sensual e erótica? Ou não, pelo simples prazer da valsa…
O abraço aos enfermos. Devagar. Sem demonstrar muito os sentimentos. Um abraço de vitaminas e de que vai ficar tudo bem.
O abraço nas despedidas e tristezas. Aquele último abraço. Na UTI, o coração já se esvaindo em sons. O som do silêncio e o do fim. Um abraço no corpo gélido. Quem habitas aí? Me ouves?
Abraços de pêsames. De choros e de prantos. Por entre dores e lágrimas.
Até o abraço formal, de longe, burocrático, sisudo. Mas é um abraço.
Caetano cantou Abraçaço. E eu fui ao show cantar com ele. Com todos os braços e o meu coração.
Ah! mas e o abraço dos amantes? Aquele do desejo. Corpos fundidos. Arrepios e suores. Arfando. Todas as entradas e entranhas a se copularem. Em pé. Deitados. E com os braços envoltos nos pescoços, o beijo. Ardente. Com todas as carnes trêmulas. Prontas. Entregues. Com os líquidos borbulhando em bolhas de champanhe ou de felicidade. Corpos molhados. Quentes. Corpos que tocam, invadem, gozam. Corpos. Abraços.
E o abraço depois? O abraço calmo. Quieto e silencioso. Em estado de torpor. Feliz. Confiante. Apaziguado. Sabendo que, cedo ou tarde, teremos mais. E sempre mais. Aquela certeza de que o desejo existe. E com ele, as gotas cotidianas desse mesmo ritual, de abraços e beijos. Todos . Em qualquer parte. Do corpo . E do mundo.
Chegadas e partidas são sempre cheia de abraços. De êxtases pelos re-encontros. Ou tristes, pelo Adeus. No aeroporto, na estação de trem ou ônibus. O cenário é sempre de abraços. Tem aqueles de já já nos veremos. Ou aqueles definitivos. Esses? De cortar o coração.
Abraço vocês todos. Daqui de longe. Isolada. Com os abraços dentro de mim.
A Ventania
Assovia o vento dentro de mim.
Estou despido.
Dono de nada, dono de ninguém,
nem mesmo dono de minhas certezas,
sou minha cara contra o vento,
a contravento,
e sou o vento que bate em minha cara.
(O Livro dos Abraços - Eduardo Galeano)