Quando convivemos muitos anos com alguém, intimamente, dividindo não só a vida, mas a cama, o quarto, os objetos, além das alegrias e dores, os cheiros se misturam nesse emaranhado da vida de uma forma que não sabemos como suportar viver sem esse contato quando acaba de repente.
Não sei se aconteceu apenas comigo ou é assim com todo mundo. É um vazio físico, do sentir, do dia a dia, não é algo inusitado, mas uma presença, quase como respirar. Com o tempo, vai se afastando da lembrança diária. Mesmo assim, ainda busco sentir esse cheiro que não existe mais há quase 15 anos. Por mais racional que a vida possa ser, por mais que o cotidiano solitário esteja presente, ainda passa como uma brisa suave o desejo de sentir esse nosso cheiro novamente.
Esse pensamento veio hoje quando vi na TV as tristes notícias do agravamento da pandemia e as fotos de casais que morrerem quase na mesma hora, entubados, sem poder se despedirem. Fico imaginando que nem esse apego ao cheiro do outro, ou do que é junto, tem importância nesses tempos sombrios. Nada faz sentido a não ser conseguir sobreviver.
Sobreviver enquanto tantos ainda insistem em ir à praia, egoistamente caminham sem máscara no parque com seu cachorro mijão. Hoje me senti assim, afrontada. Num ambiente que deveria ser de proteção, me deparo com jovens transitando livremente sem máscaras, colocando-me em risco, colocando-se em risco, o que é isso? É tão chocante uma atitude dessa natureza que não consegui ter uma reação imediata, como me é usual.
É como se não acreditasse que eu estava vivendo passivamente essa situação de desproteção, de desvalor da vida do outro. Como existe gente ainda que, no meio de uma pandemia que se arrasta há mais de um ano, sai de casa sem máscara, sem proteção? Pode até parecer que não tem importância, mas tem, e muita! Não é só a minha vida, mas muitas vidas que devem ser o amor de alguém, o cheiro de alguém, a companhia de alguém, a mãe, o namorado, o pai, a namorada, o amigo, a amiga, o filho, a filha, o neto, o avô, a avó, o conhecido, o inimigo, o desafeto, seja lá quem for, é uma vida, é alguém, o pedinte, a pedinte, a copeira, o porteiro, alguém que importa para alguém.
Estou sem esperança, sem esperanças por conta destas pessoas que nem se tocam que estão fazendo o mal, que podem prejudicar sem volta. É muito triste tudo isso, saber que há ainda, pessoas que não entendem o sentido do bem coletivo, do cuidar de si e do outro. Convivem com exemplos próximos, escutam os apelos das redes sociais, do rádio e da TV, para só sair de casa de máscara, mas parece que isso não faz sentido para elas.
Naturalmente adotam atitudes individuais e simplistas; o não gostar de usar máscara é uma delas. Talvez seja o narcisismo do selfie que não aceita esconder o rosto bonito, a vaidade, ou mesmo distração.
Em outros tempos se dizia que era alienação, mas acho de verdade que não chega nem a isso. Parece que essas pessoas fazem parte de um mundo desconexo com o que está à sua volta, tão efêmero que não dá tempo nem de sentir o cheiro do outro, de se apegar ao outro, que dirá se preocupar com a vida do outro. Essa é apenas uma questão de amor, amor ao próximo. Será que a geração pós-pandemia gostará do cheiro de gente, do cheiro do amor? Ou vai parecer tão primitivo, tão ultrapassado que só será lembrado nas descrições dos romances de antigamente?...
Proteja-se, use máscara, se precisar use duas. Se puder, fique em casa. Quem está ao seu lado tem importância, mesmo que você nem conheça, mesmo que você não se importe agora.