Qual a relação entre uma cerveja, uma ursa e um continente? O leitor pode estranhar a pergunta, mas estou me referindo à Antárctica, cujo nome envolve estes três elementos tão díspares. E, se o continente é Antárctica, por que o chamamos de Antártida? Vamos por partes.
O antigo rótulo da cerveja Antarctica — assim mesmo, sem acento e com “c” —, pelo menos aquele que eu alcancei, apresentava-se com dois pinguins dentro de uma elipse, tendo sob os pés ramos de cevada. A logomarca nos remetia ao cereal de
Se o nome da cerveja é devido ao nome do continente, porque a cerveja não é Antártida, como costuma ser chamado por aqui? Primeiro, vamos esclarecer o nome original. Chama-se Antárctica porque ele se localiza no ponto contrário ao Árctico, situando-se ambos nos polos — O círculo polar ártico e o círculo polar antártico, numa grafia menos etimológica.
O Ártico (pelo latim arctĭcus, do grego ἀρκιτκός) recebe esse nome por estar situado no Norte. A relação entre Arctico e norte se dá por causa das constelações da Ursa Maior e da Ursa Menor, que, por sua posição sempre ao norte, serviram de orientação aos navegantes e viajantes em geral. A diferença que existe entre ambas reside no fato de que apenas a Ursa Maior pode ser vista no hemisfério sul, onde nos encontramos. Daqui, não podemos ver a Ursa Menor, cuja estrela mais brilhante é a Polaris, que permanece fixa sobre o polo norte celestial, parecendo que as demais estrelas giram ao seu redor.
Quanto à preferência pela forma Antártida em lugar de Antárctica, a explicação vem através da famosa lei fonética do menor esforço, responsável por acomodações fonéticas que tornam mais fácil a prolação. Pronunciar Antárctica ou Antártica é muito difícil. A dificuldade reside no encontro entre três fonemas velares /r/, /c/, /c/ e um fonema dental /t/.
Na realidade, a forma latina Antarctica, emprestada ao grego ἀρκιτκός, encontra-se esmagada entre dois /c/. Essa articulação é dificultada pelo recuo da língua, que as velares /c/ e /r/ exigem (antarc—), para, em seguida, a ponta da língua alongar-se em direção aos incisivos centrais, permitindo a articulação da ápico-dental /t/ (—ti—), para, ainda uma vez, a língua recuar, na prolação da sílaba final (—ca): antárctica.
O resultado da lei do menor esforço é a queda do primeiro /c/, num fenômeno chamado síncope, por ele ter-se tornado mudo na passagem do latim para o português, e a assimilação com sonorização do segundo /c/ em /d/, exigida pelo seu “irmão gêmeo” /t/:
Agora, vamos e convenhamos: deixando de lado toda a conversa técnica sobre os termos, uma cerveja gelada passando pela ponta da língua, tocando o véu palatino e aguando grande parte da cavidade supraglótica, que vulgarmente chamamos boca, é gostosa ou não é?