Waldemar N.J.P. era um homenzinho desse tamanhico, trabalhador, responsável na vida pessoal e no emprego; além disso, muito educado. Esse...

Tirinha, Bastião e o metrô

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Waldemar N.J.P. era um homenzinho desse tamanhico, trabalhador, responsável na vida pessoal e no emprego; além disso, muito educado. Esse detalhe: educado; é muito importante para este causo.

Bem cedinho, lá estava ele levando sua pasta 007, quase maior que ele, de paletó, gravata, todo pimpão a caminho da estação Tucuruvi do metrô que ficava pertinho da casa dele. Seis horas em ponto embarcava. Trabalhava num cartório, imagino que colando selos e carimbando documentos lá no centro da cidade.

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Por ser tão pequenino, começou a ser chamado de “Mentira”, numa alusão à mentira que tem pernas curtas, assim como ele. Mais para frente virou “Mentirinha” e finalmente, Tirinha. E Tirinha ficou e assim iremos chamá-lo, já que nosso pequenino nunca se incomodou com o apodo. Agora, o Bastião.

Sebastião P.Q.R,, ao contrário de Tirinha, era um homenzarrão espadaúdo, quase dois metros de altura, forte como um búfalo e cara de mau. Lembram-se do Jack Palance do cinema? Muito pior. Era cara de botar medo a qualquer valentão. No entanto, esse nosso Hércules, era de alma generosa, gentil com as pessoas e também muito educado, tão quanto Tirinha. Mau por fora, boníssimo por dentro. Muito religioso não perdia as missas dominicais e sexta à noite ainda tocava um tamborzinho no terreiro de Mãe Etelvina para garantir prestigio com os orixás. Também pegava o metrô cedinho, na estação Carandiru.
Falta falar do metrô, para a nossa história ficar bem explicada. Então ao metrô.

A linha norte-sul dos trens metropolitanos na capital paulista, nesse sentido, é servida nessa ordem pelas estações: Tucuruvi, Santana, Carandiru, Tietê, Armênia, Tiradentes, Luz, São Bento, Sé, Liberdade, São Joaquim, Vergueiro, Paraíso e por aí vai até a última, Jabaquara. As demais estações não têm importância para nós. Estão lembrados onde nossos amigos embarcavam? Pois bem, agora o fato. Numa manhã fria, garoando, seis em ponto, Tirinha embarcou com sua pasta 007 e desta vez com seu guarda-chuva, que de uma ponta a outra era maior do que ele. Quis o destino que Bastião embarcasse no mesmo trem. Na estação Carandiru a composição já estava lotada e Bastião teve que viajar em pé, ao contrário de Tirinha que ia sentado todo faceiro num banco que dava para o corredor. Ficaram um de frente para o outro.

Tirinha ficou com medo daquele homão olhando para ele. Cara de cangaceiro. O que aquele gigante estava querendo afinal? Por sua vez, Bastião não tirava os olhos do anãozinho. Tão pequenino e indo trabalhar. Era um exemplo para essa gente preguiçosa. Um exemplo de resiliência, de força de vontade. Ficaram se olhando, cada um lá com seus botões, imaginando coisas.

Já dissemos que Bastião era gentil. E como era!. De repente viu o coitadinho todo desconfortável, pobrezinho, escorregando no banco. Não teve dúvidas, com aquelas duas manoplas que Deus lhe deu,
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colocou-as no sovaco do hominho e o ajeitou no banco. E ainda recomendou:

— Fica aí amiguinho, cuidado pra não cair.

Tirinha até tremeu de medo. Que cara de mau tinha aquele homão. Mais à frente, quando a velocidade diminuiu, Tirinha escorregou novamente. Não deu outra, Bastião o pegou novamente pelo sovaco e ajeitou o pobrezinho. Não ia deixar o coitadinho se esborrachar no chão.

Fez isso mais três vezes e até começou a achar Tirinha muito simpático. Ficou preocupado. Ia saltar na próxima estação, Paraíso. Coitadinho do anão. Poderia até se machucar se ninguém o ajudasse.

Resolveu perguntar:

— Onde o amiguinho vai descer?

Foi então que Tirinha se encheu de coragem e resolveu encarar o grandão.

— Eu ia descer na estação São Bento, mas o senhor não deixa. Toda vez que quero descer o senhor me coloca no banco de volta. Agora vou até a estação Jabaquara e depois volto.

Bastião desceu na estação Paraíso. Já plataforma acenou todo constrangido para Tirinha. Nosso baixinho ficou em pé sobre o banco, talvez para ganhar alguma estatura e estirou os dedos para Bastião e ainda falou um três palavrões... E com razão. Ou não?

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  1. Gostei🤚👏👏👏Luiz Augusto Paiva!!!muito bom mesmo!!
    Paulo Roberto Rocha

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