Augusto dos Anjos, o poeta mais original da literatura brasileira, foi embora da Paraíba porque não lhe deram emprego de professor. Quase cem anos depois, não fosse o intelectual Waldemar Duarte, o busto do poeta não estaria no Parque Solon de Lucena e teria virado ferro velho, por falta de pagamento do governador caloteiro e mais não sei quem responsável pela encomenda na época.
Ariano Suassuna ciceroneava Gilberto Freire e mostrava, ancho e orgulhoso, os prédios e monumentos históricos, quando o autor de Casa Grande & Senzala apontou para a estátua de Álvaro de Carvalho, na Praça Dom Adauto e perguntou: “Quem é aquele que eu nunca ouvi falar?” Ariano nem terminou sua explanação a respeito do senador poderoso do início do século, Gilberto Freire o interrompeu: “E o que vocês fizeram para José Lins do Rego? Suassuna não teve o que dizer, ficou olhando para o chão e mudou de assunto.
A história da Paraíba é cheia desses contratempos envolvendo seus filhos ilustres, para ficar apenas nesses, por serem mais emblemáticos. A prática vem de longe e consagra aquela sabença popular de que santo de casa não faz milagres.
No dia em que o nome da escritora paraibana Marília Carneiro Arnaud foi anunciado como a vencedora do prêmio Kindle de literatura, com o seu romance “Pássaro Secreto”, em cerimônia pública, com transmissão via Youtube, percebi, afora algumas manifestações da presidente da Academia Paraibana de Letras, Ângela Bezerra de Castro, do governador João Azevedo que a parabenizou em sua conta nas redes sociais, do cronista Germano Romero, do professor e contista Wellinton Pereira, do jornalista Walter Santos, e três ou quatro linhas no blog do meu amigo e conterrâneo, jornalista e escritor Tião Lucena. E mais nada.
Afora esses, nenhum outro blog, portal ou plataforma do estado da Paraíba registrou o feito memorável da escritora, quando toda a grande imprensa nacional deu o merecido destaque. Esse prêmio que o talento de Marília conquistou é o grito contido que há anos nos incomoda, pois só ganhamos prêmios periféricos, ou nem estes. Fora do eixo Sul-Sudeste, para uma certa crítica literária tendenciosa, seletiva e cheia de preconceitos, não há vida inteligente. Mas o talento de Marília Arnaud quebrou esse paradigma excludente. No Nordeste, especialmente na Paraíba, essa premiação quis dizer que aqui se produz uma literatura universal, e que o pitoresco e o anedotário ficaram socados dentro do gibão mofado de Gonzagão, nas alpercatas dos cangaceiros, nos sótãos das casas de fazenda do tempo antigo.
Visitei diversos blogs e portais da terrinha e percebi essa falta de compromisso de alguns formadores de opinião da terra de Martinho Moreira Franco (morto hoje, dia 6 de fevereiro, morremos um pouco junto com ele) que não dispensaram uma linha sequer para registrar esse feito memorável da escritora paraibana. Em compensação, tomei conhecimento a respeito de uma moça chamada Carol com K, e soube que ela está brigando com não sei quem, soube também que Xuxa está xateada com Xaxa, e que Bolsonaro recusou o convite de não sei quem para tomar a vacina contra o coronavírus e foi agraciado com uma lata de leite Moça doada por um blogueiro bolsonarista.
Pois bem, a despeito de viver nesse mundo cercado de vírus por todos os lados — e o pior deles, o bolsonarismo — a depender desse pessoal e da produção de seus conteúdos, a notoriedade de Marília com escritora não vai passar da missa de sétimo dia. Mas se depender de mim, de Wellinton Pereira, de Ângela Bezerra, e de tantos outros que têm consciência do fato literário e sabe ler um livro e interpretar o universo, vai querer um enorme outdoor na entrada de João Pessoa ou de Campina Grande, dizendo: Aqui é a terra de Marília Arnaud.