Carnaval, ele com vontade de ir para a rua, e a mulher doente no quarto ao lado. Da sala ouvia a tosse — curru, curru, curru... Era a noite em que sairia com a turma. Podia ouvir o esquentar dos instrumentos e as vozes dos que se dirigiam à concentração. Daí a pouco passariam em frente à sua casa e gritariam, chamando-o. Assim faziam com quem não saía da toca para brincar. O combinado era convocar um por um. Diriam:
— Vamos, Nicanor! Tá na hora!
Não iria. A mulher tossindo no quarto, meio febril, o impediria de aderir à festa.
Levantou-se e foi de novo olhar Emilia. Ela pareceu adivinhar-lhe o pensamento.
— Quer ir? Vá.
— Não vou deixar você sozinha.
— Não estou morrendo, ora — disse com débil teimosia e teve um novo acesso de tosse. Curru, curru, curru...
“O diabo é essa tosse” — ele pensou. Se pelo menos a doença fosse silenciosa... Seria mais fácil ignorá-la, fingir que estava tudo bem. Mas havia esses estampidos, que pareciam um alarme.
— Vá, homem. Eu sei que você quer brincar.
— Não. E vê se pelo amor de Deus para de tossir!
Nicanor voltou para a sala e ficou uns minutos sentado, ouvindo o barulho que vinha do terreno contíguo à casa, onde a turma tinha deliberado que ia se concentrar. O som de tamborins, pandeiros, cuícas tornava-se mais intenso. Aumentava o alarido, e dentro em pouco o grupo iria chamá-lo. Alguém diria: “Vem, rapaz. A noite é criança.” Criança? A noite era uma velha moribunda.
Emília parara de tossir. Devia se iludir com esse momentâneo silêncio? Não. A mulher tinha dito: “Pode ir... Vá.” Uma permissão que seria cobrada depois — se não por ela, pela consciência dele. Tinha um dever.
De repente lhe deu vontade de ir ao quarto dos fundos e abrir o armário onde guardara a fantasia comprada meses antes. Nada excepcional: calça branca, paletó colorido e um chapéu também branco de malandro carioca. Sempre sonhara ser um. O que o atraía na figura do malandro era a lábia, o descompromisso, a jinga para contornar as dificuldades.
Começou a se vestir devagarinho. Depois foi até o espelho e se olhou. Gostou do que viu. Nem parecia ele... Despertou do devaneio ao perceber o aglomerado que se formava em frente à casa. Foi até a sala e espreitou por uma frincha da janela. Se o vissem, não poderia resistir. Chamavam-no? Mal conseguia distinguir as vozes abafadas pelo som dos instrumentos e, agora, pela tosse que recomeçou. Curru, curru, curru...
Voltou ao quarto e, antes que o grupo se afastasse, resolveu ensaiar uns passos. Sambou ali mesmo, no escuro. Malandro que é malandro não perde a viagem. Ouvia as vozes e o barulho dos instrumentos se distanciando até se perderem no clamor alegre da cidade. A mulher continuava a tossir.