No contexto bíblico, o termo “igreja” significa reunião de pessoas. Por esta e outras razões dogmáticas, o correto é que, no acesso a edificações consideradas religiosas, haja sempre portas abertas à liberdade de seus cultores.
O Antigo Testamento, através dos seus inspirados profetas, encarnou a ideia de que os homens haveriam de ser templos de Deus. Deste modo, o homem passa a ser a parte mais significativa da instituição monoteísta, posto que nele se estabelecem a igreja e o templo em uma só palavra e em uma só pessoa. Por isto, lá onde Deus habita não poderá - em hipótese nenhuma - ser aquele edifício construído somente com tijolos, cimento, telhas, cerâmicas, vidraças e pesadas portas de cedro ou do que o valha.
Infelizmente, já existe a multiplicidade das distorções humanas, e isto só ocorre quando o homem deixa de ser igreja para dar lugar a especulações, a surgimentos dos meros interlocutores, a quererem interditar aquilo que foi erigido e posto para muitos pela glória e fé da humanidade.
Segundo o profeta Isaías, abrir a porta de uma instituição religiosa significa vivificar o espírito dos abatidos e alegrar o coração dos contritos, fazendo nele a morada de Deus.
Outro dia, em São Paulo, uma “bispa” de uma igreja dessas do rol das que surgem diariamente estabeleceu o valor de 110 reais para o ingresso às dependências de sua igreja e o fez condicionando-o à compra de seu livro “Mulher de bem com a vida”, uma espécie de bíblia comentada por ela. Em suma, o ingresso ao templo foi trocado pela compra do livro. Entendo que todo lugar onde o ser humano se faz presente em Deus deve ser aberto, livre de qualquer troca para o ingresso, tampouco com pagamentos em moeda; deve ser livre, uma vez que a igreja é o homem por essência, a vida, o trabalho, o espírito, a presença e o desejo de santificação.
Em João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, numa igreja evangélica, uma amiga passou um vexame dos mais horrendos e angustiantes: levou sua mãe, idosa, ao culto num domingo pela manhã. As duas já estavam no interior da igreja quando a filha precisou sair para apanhar sua bíblia que deixara dentro do carro. Ao voltar, o seu reingresso estava vetado. Motivo: naquele momento, os seus passos poderiam atrapalhar a oratória, com isto interferirem nas reflexões narcisísticas e teatrais do pastor. A amiga argumentou que a mãe era doente e, por isso, não podia ficar só. Os nervos se abalaram. Insistiu e só conseguiu entrar, escondida, por uma porta lateral.
Pouco tempo após esse fato, também num domingo, outra senhora precisou se comunicar com a irmã que estava no interior daquela mesma casa de orações e foi rigorosamente interceptada. Não era suspeita, mesmo assim barrada como se algum ato delituoso estivesse sendo arquitetado naquele instante. Fiquei sabendo que as instruções para a interdição, haviam sido dadas pelo próprio pastor. É que naquela igreja não é permitida a entrada de ninguém, depois do início da fala do “insigne” orador pastoral. A meu ver, o motivo foi desimportante, dispensável, incoerente e não chegou a justificar.
Explicaria melhor se confessasse perante Deus que os motivos são os brios dos egos inflamados pela euforia típica de dirigentes de certas igrejas evangélicas e pela insustentável vaidade que infla e alavanca o peito engravatado desses seres quase em processo de alucinação, cegos de real religiosidade cristã, tomados pelos poderes levianos da vaidade humana.
Portanto, o despudorado comportamento cristão de quem inventou tal regulamento veio afivelar-se aos impulsos de exibicionismo de seus excessivos egos assoberbados.
E assim, com a prática de emitirem seus gritos roufenhos em profundo clima, vêm ferindo e quebrando a complacência, fragmentando o acesso ao interior daquele espaço de contrição, onde o próprio Deus é brutalizado, desse jeito! Os silenciosos sussurros da sobriedade da reza e da fé, que deveriam ser povoados somente de bancos, púlpitos e altares ilustrados apenas pela prontidão de suas bem comportadas colunas, são agitados pelos transtornos fúteis.
— Até quando, meu Deus, o homem será isento dessa consciência para melhor conduzir as suas atitudes cristãs?
— Quando haveremos de ser mais igreja, mais templo, mais Deus?
— Como nos livrarmos desses sacrilégios e vermos portas e corações abertos para as realizações das audiências com Deus nas igrejas?
Se o “Porteiro do Inferno”, a escultura tão polêmica do artista Jackson Ribeiro, ainda estivesse na Avenida Getúlio Vargas, não iria obstaculizar a entrada de ninguém que ali chegasse. Iria, sim, permanecer inerte, calado dentro de sua estrutura férrea, como arte, apenas como arte, e sem fazer a “arte” de trancar portas para os que chegam e ficam impedidos de alcançar a graça de seus domingos santos e de entoar seus cânticos compenetrados para uma comunhão do bem de um estado realmente de graça.
Enfim, quem fecha portas de igrejas é também capaz de erguer muros e construir masmorras.