Ora radicado em Moscovo, Rússia, o amigo Astier Basílio posava numa foto ao lado de uma pilha de livros, nada menos que a coleção de todas as edições do livro “ZÉ LIMEIRA, POETA DO ABSURDO", do escritor, poeta e pesquisador Orlando Tejo.
Por uma força impulsiva, irremediável, lembrei-me do tempo em que acompanhei o amigo Orlando Tejo nas andanças do seu sonho portátil, sempre a tiracolo, uns escritos originais sobre a poética do cantador e repentista Zé Limeira, os quais, há vários anos, sonhava transformá-los em livro.
Recordei-me também de um episódio que acabaria, in totum, com o sonho de impressão do citado livro sobre Zé Limeira.
Foge-me agora o nome da gráfica, mas ficava logo ali na Rua Duque de Caxias, aqui na capital paraibana, Brasil. Das tantas vezes em que a visitava para acompanhar o andamento dos serviços gráficos, Orlando sempre se deparava com algo desagradável — erros e desacertos — inclusive, quando percebia a velha e conhecida dolência, muito em voga nas gráficas e editoras. Esses vexames lhe eriçavam os nervos já ansiosos de tanta espera! E, assim, foram se somando os vexames, mais os desestímulo, chateações e derivados.
Certo dia, à noitinha, ele perdeu a paciência, instantaneamente e decidiu pela desistência. A ansiedade e a inquietação de Orlando se tornaram mais pesados e irritantes do que o próprio ritmo vagaroso da gráfica; do que mesmo o trabalho árduo que dava - àquela época — a máquina manual de linotipo que, lentamente, compunha as letras — uma por uma - em pequenas barras de chumbo até formar uma página inteira da coletânea.
Mesmo já tendo sido iniciada a sua composição, surpreendeu o gráfico ao pedir que devolvesse os originais do texto de sua obra. Ao recebê-los, imediatamente, pô-los debaixo do braço e, em seguida, olhou rijo para mim e para Livardo Alves que o acompanhava e falou assim: "Vou jogá-los, agora mesmo, dentro da Lagoa".
Saímos, acompanhando os seus passos aligeirados, mas, sabendo que a nossa missão seria dificílima para acalmá-lo! Na calçada da Lagoa, Orlando, ainda com os originais do livro subtraídos sob o braço, sentamo-nos os três num banco de pedra, daqueles antigos da Lagoa do Parque Sólon de Lucena, e começamos a tagarelar. E, só quando já passava de meia-noite, veio o milagre: conseguimos convencê-lo.
Eu e Livardo vencemos uma peleja difícil, uma peleja sem rimas, e interceptamos a absurdidade da ameaça e do ato, até um certo ponto, compreensível, apesar de ter exigido uma luta difícil e de muito tato.
Minutos depois, caiu a ficha... Imaginamos o que poderia ter acontecido num ato de poucos minutos. Ocorreria a destruição de quase uma vida inteira de pesquisa, de trabalho, dedicação e convivências. Preferimos pensar só no livramento e ficamos com o mote da noite silenciosa que logo se transformou em ventos de pura inspiração.
Eufóricos e enlevados pelo dramático final feliz, fomos comemorar o “habeas livrus” no "Bar e Restaurante Flor das Neves", que ficava a cinquenta metros de distância da calçada onde aconteceu a luta e todos os “rounds”. E, já com os originais do livro naquela hora sob a guarda de Livardo Alves, que ficou de retomar, no dia seguinte, a espinhosa "via sacra" da impressão gráfica. E, depois do pavor daqueles instantes, restou-nos o vapor dos risos que entraram em cena pela madrugada adentro, muitos risos com as presepadas e piadas de Orlando Tejo! Nunca rimos tanto — meu Deus! — depois de quase uma grande tragédia literária!
E, como na poesia, muitas vezes, há os milagres, depois de duas semanas intensas, (e tensas), o livro estava pronto e bulindo-se!
Numa manhã de sábado, Orlando lança o livro ao lado de Augusto dos Anjos, busto de estanho e bronze, cuja dureza foi só a lembrança de estar situado nas imediações daquela Lagoa, a mesma que iria receber a sua obra e consentir que ela terminasse n'água, submergida para sempre e pondo fim aos registros dos improvisos toscos do poeta Zé Limeira e do fluir mágico da literatura “tejiana” que deixaria de ficar "orlando" por aqui para ficar engasgada no leito desacordado e triste daquele velho "Tejo" paraibano. Saudade desse grande incentivador que se foi (!!!)
Também me lembro do insigne, o excêntrico escritor e boêmio oficial da intelectualidade pessoense, Virgínius da Gama e Melo, com o seu terno branco engomado, impecável e com sua voz meio fanha, que fez uma bela e bem humorada apresentação. Foi um dos melhores e mais descontraídos lançamentos de livro a que já assisti em toda minha vida (!!!)
"Se intelectual for mesmo esse doido que dizem por aí, hoje ninguém encontrará nenhum em casa".
Foram com essas palavras que Virgínius iniciou a sua apresentação!
Ah! essas histórias que nos dão saudades!!!