Conquanto o desejemos, podemos viver sem a felicidade. Esperamos para conquistá-la. Se a felicidade não vem, a esperança se prolonga e o charme da ilusão dura o mesmo tempo que a paixão que a causa. Assim, esse estado basta a si mesmo e a inquietude que ele traz é uma espécie de alegria que suplanta a realidade, talvez melhorando-a. Pena de quem não tem nada a desejar. Ele perde tudo aquilo que possui. Gostamos menos daquilo que obtemos do que daquilo que desejamos e ficamos felizes antes de realmente nos tornarmos.
Jean Jacques Rousseau
Jean Jacques Rousseau
Sou apaixonada por duas mulheres do Cinema Francês: Isabelle Huppert e Juliette Binoche. A primeira, pela densidade e estranheza ruiva (desde o seu premiadíssimo A professora de Piano); a segunda, pelo mistério da beleza simples (A Liberdade é Azul, Perdas e Danos, Cópia Fiel). Assisti recentemente a Elle, que deu o prêmio de melhor atriz a Huppert no Globo de Ouro 2016.
Os filmes franceses me encantam. Aparentemente não falam de nada e falam de tudo. Esse, em particular, fala de uma professora de filosofia, Nathalie, que vê sua vida passar por mudanças abruptas numa idade em que já se deseja sombra e serenidade. O marido se envolve com outra mulher (nada mais previsível aos homens de meia idade e de casamentos longos). A mãe — uma personagem hilária que a consome de pedidos de socorro — é uma ex-modelo que se debate contra a finitude, pede seu casaco de pele para melhorar do frio e chama os bombeiros para apagar o fogo da sua solidão e do desespero da velhice atordoada. Os filhos também partiram. O seu melhor aluno lhe faz críticas ideológicas e filosóficas. Mas ela já não tem o arroubo da juventude para ficar filosofando em alemão! Na sala de aula, no entanto, preocupa-se em instigar os alunos a pensar.
"Quando eu paro para pensar, meus filhos já saíram de casa, meu marido me abandonou, minha mãe morreu... Encontrei minha liberdade. Uma liberdade completa como nunca conheci. É incrível".
É intringante ver a simplicidade da vida em Paris, retratada no filme! A professora Nathalie é assim. Veste-se desprovida de qualquer supérfluo. Cozinha uma ceia natalina frugal. Um frango com castanhas e só. Nada de tanto fuzuê como nós aqui, no Natal e na vida. Ela anda de cá pra lá na capital francesa. Trabalha, senta no parque, divaga, encontra o marido, passeia na Bretanha, molha os pés, mergulha, cuida das flores, olha no infinito. Simples assim. Nesse olhar/viver como um flanêur, o espectador vai participando dos temas abordados: separação na meia idade, ninho vazio, perdas, morte, re-encontro consigo mesma, liberdade, ter um gato de repente, e tantos outros assuntos mundanos ou não. Eis a vida! E a filosofia!
Em quase todo filme francês — e nesse não é diferente — os personagens são pragmáticos e céticos. Se perde, se trai, se morre, sem drama! Tudo faz parte da existência. O marido de Nathalie, que se chama Heinz
A trilha sonora do filme é de arrepiar. Óperas! Woody Guthrie ! Fui apresentada pelo querido amigo Larry Vellani em Columbus, Ohio, 1971. Um coral cantando a música tema do filme Ghost: ♪♫ Oh my love, my darling, I've hungered for your touch ♪♩♫ (Unchained Melody )! E Nathalie cantarola cantigas de ninar para o neto recém-nascido. A cena plasma na sala de estar do seu apartamento, onde se tem uma ideia da domesticidade daquela família: almoço, neto, choro de bebê, ex-marido que visita, árvore de natal, gato que foi embora, enfim... mais um dia, somente um dia!
O Que Está por Vir não é um filme filosófico, mas mora na filosofia. E não deixa de ter uma visão feminina e feminista, que faz dos silêncios subjetivos da personagem de Nathalie, quem sabe o seu mergulho interior, explícitos quando da sua caminhada sozinha pelo bosque, na montanha, ensimesmada com tudo o que lhe acolhe e a distancia no seu re-inventar-se "tododiatodo". Não é à toa que o quinto longa-metragem de Mia Hansen-Løve foi premiado com o Urso de Prata de Melhor Direção no 66º Festival de Berlim.