Jornalismo não é literatura, mas sempre houve a tentação de se confundir um com a outra. A diferença entre os dois reside basicamente na f...

O jornal e a língua

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Jornalismo não é literatura, mas sempre houve a tentação de se confundir um com a outra. A diferença entre os dois reside basicamente na forma como utilizam a língua. No jornal a palavra é veículo, e não fim. Ao contrário do que acontece no texto literário, ela “se apaga” para deixar transparecer o fato ou a opinião.

Hoje dizer que não se pode contaminar a notícia com imagens, metáforas, digressões líricas parece óbvio. Mas houve um tempo em que as redações brasileiras — e por extensão as paraibanas — eram celeiros de literatos. Exigia-se do texto jornalístico não apenas o compromisso com a verdade, mas também certo requinte de linguagem que incutia no evento noticiado o tônus da emoção. O leitor queria que a intriga política ou a tragédia amorosa tivessem um tratamento compatível com o seu potencial dramático.
E cada palavra era pensada, pesada, burilada, a fim de que a forma valorizasse ao máximo o fundo.

Nelson Rodrigues, que era um nostálgico desse momento do jornalismo brasileiro, chegou a ironizar dizendo que nessa época pouco importava a veracidade dos fatos. O que interessava era a versão, ou seja, a linguagem. Nelson confrontava esses textos com os releases frios redigidos pelas estagiárias dos jornais modernos, nos quais a notícia ganhava uma padronização que limitava qualquer desvio estilístico. A técnica expulsava a emoção.

Uma coisa curiosa aconteceu, no entanto: à medida que se delimitavam os papéis do repórter e do redator, retirando-lhes o direito de “fazer literatura”, o jornal foi elegendo um espaço para os voos da imaginação e da ousadia verbal — o espaço da crônica. Nela cabia a intromissão subjetiva na análise dos fatos, a visada lírica sobre homens e coisas — tudo isso vertido numa linguagem emocional e metafórica.

Restou ao texto propriamente jornalístico a obrigação de ser rigoroso, objetivo, transparente e, sobretudo, correto em termos gramaticais. Se o jornal tinha como matéria-prima a palavra, devia empregá-la de maneira eficiente. E não há eficiência comunicativa, em termos verbais, sem o conhecimento dos mecanismos que asseguram a correta formalização do discurso. É basicamente no âmbito da gramática que tais mecanismos são apreendidos e, posteriormente, praticados.

Além disso, o jornal não é apenas veículo de informação. É também instrumento de formação, na qual se inclui por via indireta o aprendizado linguístico. Nunca é demais lembrar que a palavra se constitui em
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instrumento essencial a praticamente todos os domínios do saber. Manejá-la corretamente é a primeira condição para se transmitir conhecimento.

Os bons jornais têm o respeito pela língua como uma questão de princípio. Sabem que a má redação não é penas um deslize da forma; também compromete o rigor da notícia e a credibilidade de quem a veicula. Num país como o Brasil, em que se leem poucos livros, o texto jornalístico é para muitos uma privilegiada forma de contato com a palavra escrita. Por meio dele é que se tem ciência da chamada norma padrão. Isso aumenta a responsabilidade dos jornais, que devem oferecer ao leitor um discurso modelar.

Não é raro os leitores se manifestarem acerca do português de jornais e revistas. As seções de cartas mostram que eles julgam tanto a linha editorial, a argúcia dos repórteres, a bagagem dos articulistas, quanto o padrão formal dos textos. Cientes disso, alguns dos jornais passaram a incluir em suas páginas colunas de língua portuguesa. O objetivo não é apenas prestar um serviço. É também demonstrar que aliam o zelo pela veracidade das informações ao respeito pela integridade do idioma.

Esse respeito, vale ressaltar, não se confunde com o gramaticalismo que Olavo Bilac em crônica de 1896 lamentava em jornais da época, considerando-o “uma das moléstias intelectuais do século”. É antes um antídoto para doença tão ou mais grave do que a apontada pelo parnasiano: a pretensão de usar a palavra sem o conhecimento de como isso pode e deve ser feito.

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