Peço a Deus que Ele não permita que o destino me leve a morar em um apartamento de condomínio. Com todo o respeito aos que moram em edifícios e a centenas de pessoas que já se acostumaram e se adaptaram a esse tipo de moradia.
De forma extremamente particular, eu não me acostumaria a ter que diminuir a prazerosa sensação de sentir-me mero sobrevivente desse espaço, magnetizado pelas deliciosas visões míticas do pé no chão, a conviver, ao mesmo tempo, com as relações telúricas de um quintal e as dependências naturais dos cantos de uma casa que permite, muitas vezes, uma sensação de estesia e de prazer.
Não moraria bem em apartamentos onde raramente se ouve o cantar de um passarinho, onde se restringem as plantas porque o espaço impossibilita o seu cultivo e onde se proíbe a criação de pequenos animais de estimação.
Alguns moradores relutam, insistem, mas são forçados a cumprir as instruções do síndico do edifício. Nada podem fazer, senão aceitar as regras daquela moradia, muitas vezes, rígidas e exaustivas.
Outros são vítimas do torpor de estranhas vizinhanças, como também das neuroses impregnadas em suas brancas e vigilantes parede-meia.
Em alguns edifícios existem normas que só permitem ligar liquidificador após as sete e meia da manhã. Reclama-se da inofensibilidade dos pequenos ruídos, dos barulhos frugais, ao tempo em que dão apoio às frescuras mais absurdas que só desenvolvem um clima de medo e de cuidados que terminam virando ideias fixas ou outros transtornos de pior gravidade.
E, aí, o ritmo da cotidianidade termina correndo o risco de danificar a boa convivência de cada sobrevivente desses arranha-céus. Deste modo, vemos que certas leis de condomínios, criadas pelo homem, são provas incontestes de uma competente ignorância e grandiosa frivolidade.
Os mensageiros do vento também são alvos das proibições. Um amigo meu, com seus dois mensageiros do vento, feitos de bambu, recebeu uma notificação da síndica, solicitando-lhe que retirasse, com urgência, do terraço de seu apartamento, os dois inocentes (peças de decoração) ali dependurados. Os mesmos estavam importunando as vizinhanças do condomínio. Na realidade, quem não se sente bem com os toques delicados dos mensageiros do vento não sabe como se rege a música do acalanto. Eles relaxam o espírito e promovem a paz confortante que não somente irradia como também faz perfeita faxina na alma com todos os seus detergentes transcendentais. Quem não gosta só pode estar mal consigo mesmo e - lamentavelmente - com o resto do mundo ao seu redor.
Não somente somos meros habitantes deste planeta, como também gente desses territórios que pode ainda se alegrar e animar a vida enquanto for possível enxergar uma aurora e respirar o oxigênio das paixões pela vida nem que essas sejam simples elucubrações. Não se pode é ser mais tolhido por procedimentos tidos como rijos, metodologistas, autoritaristas e estupidamente radicais. Assim, quem vai ter sempre vez é a prepotência com toda a sua insensibilidade, essas que campeiam e invadem esses lugares onde é difícil existir e viver.
Por falar em silêncios de meia, no bairro de Manaíra uma Senhora, achando-se incomodada com a música Ave Maria, de Schubert, executada através de um projetor de som da igreja daquela comunidade, entrou com uma ação na justiça para proibir tal sonorização. Com pouco tempo, aquela música do céu não mais era ouvida às seis horas da tarde. A impossibilidade insensível venceu! A tarde tornou a recolher-se ao seu silêncio árido, estéril, e, até agora, a boca do projetor de som encontra-se reprimida, calada, tristemente emudecida.
Sabe-se apenas que a pessoa incomodada mora em Manaíra, numa rua cujo nome desconheço, número eu não sei, num edifício que eu não conheço, apartamento 302, aqui neste planeta.
Que as normas padronizadas, formais nunca afetem a ordem da liberdade mínima de uma tênue normalidade.