Fiquei parado, medindo cada palavra, cada gesto, a apreensão do olhar no apelo que o governador João Azevedo fez para as pessoas se cuidarem.
Não se pede muito. Pede-se para ficar em casa e, na obrigação de sair, não falar em cima do outro e ensaboar e lavar as mãos por qualquer contato. Não chega a ser um grande sacrifício, pelo menos para quem gosta de água, que não nos tem sido um gosto estranho desde as longínquas origens. A carta de Caminha já nos encontrou lavadinhos. Sobretudo nossas mulheres. Há quem diga que ensinamos o colonizador europeu a tomar banho. Elas entravam n´água e eles não resistiam. Gilberto Freyre chega a exagerar: “ O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. (...) O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado.”
Há algum exagero, o pernambucano dourou a pílula além da sem-vergonhice do escrivão, que se surpreendeu bem mais com a nudez natural e aparadinha da índia do que com o verde assombroso do Monte Pascoal.
No entanto, por mais fácil que pudesse parecer, por mais que o instinto de defesa viesse atuar, na maioria da descendência cruzada falece o cuidado.
De nada têm valido as cenas de angústia mortal que as câmeras vão apanhar sob a luz empastada das UTIs. Vão e voltam, sequenciam-se expondo aos nossos olhos um país internado, morrendo e sepultando-se em valas de escavadeiras, e – o que é pior – sem fazer medo à maioria dos que ainda estão do lado de fora. Maioria que entra no aglomerado com os olhos e todos os sentidos apenas no imediato, na compra ou no saque, confirmando a sabedoria antiga segundo a qual por mais que os olhos estejam arregalados, só veem, só atentam e enxergam naquilo que prestam atenção. Só veem aquilo que estão procurando.
A população, por mais advertida, perde-se no imediato. O guichê, a prateleira, a busca do freguês, a vontade de ir, apagam as cenas de um dia inteiro de notícias e avisos sinistros levados à sua casa.
Isto é aqui e em muitos outros países. Mas em França, no nosso velho Portugal, na Inglaterra e maioria dos estados europeus não basta decretar ou advertir. Entra a ação da guarda municipal ou da polícia fazendo valer a disciplina, a exigência do comportamento social sem comprometer a ordem democrática. Até multa existe. Em Caen, na Normandia – pelo que sei da filha Cibele – saiu fora de hora ou sem máscara paga 135 euros por infração. Entre nós, se viesse a multa, logo arranjariam o atestado de pobreza para dispensá-la.