Se alguém morre, para as crianças dizemos que a pessoa virou estrela. Talvez a forma mais simples de explicar para elas essa passagem à vida no plano espiritual. Olhando para o alto, buscam nas estrela a pessoa que fisicamente nos deixou.
Quando Martinho Moreira Franco completou o círculo de sua vida, retornando à casa paterna, lembrei dessa assertiva.
Martinho é um amigo que carrego no coração desde quando, ainda em O Norte por volta de 1978, observava o modo como andava pela redação, copidescava textos. O tempo se encarregou me colocar sempre ao seu redor, aprendendo com ele, nas redações de jornais ou em conversas que se repetiam esparsas mas reveladoras do jornalista que tinha inspiração ao produzir o texto.
Jornalista de texto impecável, foi um cronista que não quis ser poeta, pois seus escritos conduzem à visão panorâmica construída pela força da inspiração e da arte, fosse abordando o cinema ou assuntos do cotidiano, praticava literatura em alto nível. Textos que tem a suavidade do prazer da leitura, porque contém lirismo e humor.
Na esteira da vida construímos amigos que o tempo conserva, sem reboco, com gestos renovados a cada reencontro e nas atitudes que alargam o desejo de tê-los próximos porque ajudam na construção dos saberes que tanto buscamos.
Fruto da amizade que a atividade jornalística proporciona, foram mais de quarenta anos de salutar amizade, dele aprendendo mais do que ensinando. Sempre me nutri das leituras solitárias de livros que me cercam, e no desfrute da amizade de amigos, como Martinho, construída sem interesse.
Conheci ele nos derradeiros anos da década 70 do século passado, quando buscava aprender o manuseio das palavras na redação de jornais. Havia entrado para a redação do extinto O Norte, jovem com jeito de agricultor, onde todos os dias, recolhido num recanto, copiava telegramas enviados pelas agências de notícias, e lembro que sua chegada ali era festejada. Naquele ambiente, eu escutava como aluno atencioso, enquanto ele comandava rodas de conversas, quase sempre sobre cinema.
Com Martinho atingimos a maturidade da consciência crítica da arte cinematográfica, porque buscava nas entranhas da obra analisada toda a essência para nos deixar a par daquilo que o diretor do filme imaginava, e com isso ajudando-nos a entender a narrativa.
De crítico de cinema para o cronista do cotidiano foi caminho curto. Ele transformou-se num dos nossos cronistas que se apoderam e descrevem os temas com concisão, narrando numa linguagem cinematográfica. Aquilo que não vimos, seus olhos captam com precisão. Mais do que isso, o faz com pitada de humor. Gonzaga Rodrigues lembra que Martinho é quem melhor sintetizou na crônica ou no texto publicitário qualquer assunto abordado. Avolumava-se na sintaxe com exuberância.
Grande em estatura física, parecendo jogador de basquete, também se agiganta quando escrevia sobre a vida da cidade. São dele os melhores textos de publicidade que falam da Paraíba.
Com ganância de aprender o oficio de redator, tornei-me meeiro dele e de outros amigos, no seguimento dos conselhos de Nathanael Alves, selecionados na conjugação de boa índole e na capacidade de sentir o invisível. Na constelação de dessa afeição pessoal, Martinho cedo ocupou grande espaço, sem exigência como deve ser a amizade. Juntos quando necessário, estávamos pertos nos mesmos sentimentos que brotam com o águo da sinceridade, na paixão ao mesmo time de futebol, às mesmas canções de Roberto Carlos que nos emocionam, na literatura de José Lins do Rego que trazem nosso sangue, e acolhendo o Deus que criou e moldou para nós. A nossa diferença estava na proporção da estatura física.
Um bom amigo se torna prêmio, não busca glória e menos obtenção de lucro, mas cria ambiente para o crescimento dos materiais do espírito humano. Ajudam na longa travessia. Amigos que partilham os sentimentos e quando viram estrela, continuam perto. Alimentados com a fraternidade, esperam na profecia da Rimbaud: “Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades”.