Confesso que não tenho muito apego à leitura de livros que não sejam impressos em papel, porque gosto de manusear e alisar as folhas com os dedos, sentir o cheiro da tinta. O cheiro da tinta fresca me persegue desde o tempo de quando passei por jornais e gostava de visitar as oficinas para sentir o odor do papel impresso.
Não resisti ao convite da escritora, permita-me dizer, talentosa e que escreve com charme, Marília Arnaud, filha do amigo Dirceu Arnaud que incursionou pelo jornalismo em meados do século passado e tinha o mesmo apego pelo jornal saído das barulhentas rotativas, e mergulhei no livro “O pássaro secreto”, lentamente passando as páginas, para não pular capítulos, — aí reside a minha dificuldade —, sendo aliciado no começo da narrativa até chegar ao final, com vontade de retornar à primeira página. Vou esperar chegar o livro impresso para retornar a leitura do modo como gosto de fazer.
Marília Arnaud ocupa reservado espaço na literatura paraibana e nacional, talento que produz histórias numa linguagem fina, sublime, inquietante. Cedo surgiu como uma escritora revelada no fino trato das palavras, com uma prosa leve e suave como a brisa sobre os riachos dos sertões de Pombal, terra de seus ancestrais, que me faz lembrar as cristalinas águas dos regos que correm por entre as encostas do Brejo, em Serraria.
Ela nasceu para escrever, e escrevendo recupera as imagens guardadas ou inventadas. Escreve porque acha bom e prazeroso. A cada livro que germina, é colossal a margem ocupada como protagonista de uma boa literatura. Como a arte é parte de nós, construída do que procede daquilo que vemos e sentimos, esse “O pássaro secreto” carrega as astúcias da inquieta e inteligente Aglaia Negromonte, apaixonada pelas artes, tendo a literatura como lenitivo. Assim como a personagem central, Marília apegou-se à poesia de Cecília, ao teatro de Shakespeare, a pintura da época Renascentista, para fazer um livro profundamente humano, pontuado de propostas apresentadas como sopro divino que a arte conduz, e contendo emoções do coração feminino.
Por meio da personagem Aglaia, a autora revela o apego à cultura, partindo da discussão de “Odisseia” de Homero, passando pelos clássicos da literatura que formam o conjunto de livros indispensáveis a uma biblioteca, e viajando pela música que emociona e traz paz. O livro joga com a inteligência do leitor, fazendo vaguear pela magia da arte, questionar o relacionamento humano-familiar. Aprendera com o pai que as palavras certas tornam extraordinária qualquer coisa que se pretenda descrever, a personagem afirma que a “poesia é um breve lampejo no mistério que envolve a existência. A poesia é um abandono”.
O capítulo dez me trouxe revelações poéticas e sentimentais, que poucos são capazes de expressar, sem esconder a verdade do coração.
Neste tempo pandêmico, em que as pessoas foram recolhidas a um maior convívio familiar, “O pássaro secreto” é uma coisa boa que aparece para nos fazer refletir sobre a convivência de proximidade.