Sobre Martinho, quem tocou fundo aqui na corda ou nervo mais sensível foi Ana Adelaide Peixoto ao lembrar “a imagem daquele homem enorme, aos prantos e aos frangalhos no velório, e com três filhos pequenos para criar. Chorei junto!”. E cravou-a para sempre.
Eu também, amiga. E foi a imagem desse homem enorme que me reteve, sábado passado, para não ir, de vontade própria, vê-lo inerme num caixão, de mãos cruzadas no peito sem ter sido ele quem as tivesse cruzado. E com flores que nunca pediu nem desejou.
Eu também, amiga. E foi a imagem desse homem enorme que me reteve, sábado passado, para não ir, de vontade própria, vê-lo inerme num caixão, de mãos cruzadas no peito sem ter sido ele quem as tivesse cruzado. E com flores que nunca pediu nem desejou.
Ver Martinho de olhos que o sono e o sonho outras vezes se negaram a fechar, sem o olhar de sua vida sempre sublinhado por um meio riso de ironia ou de indulgência com as contingências da vida. Preferi, ou melhor, rendi-me à alternativa de permanecer com as imagens desencadeadas por sua crônica de ontem, amiga, ou com a do jovem de cabelos brancos, avô de sete netos, que ilustrou o noticiário.
Antes de conhecer Martinho, já o conhecia de texto. Como estou conhecendo agora meninas e rapazes que escrevem bem neste jornal. Foi depois de 1964, neste particular um ano marcante, pois ele não se incluía, ainda, entre os companheiros que faziam a minha festa nos domingos de visita no antigo sanatório Clementino Fraga.
Eu também era de cinema, fundador da ACCP com José Rafael, José Ramos, Wills, padre Fragoso e Barreto Neto. Ensaiei, pelo jornal O Norte, uns poucos reviews muito superficiais. E me estabeleci nesse novo nome, Martinho Moreira Franco, no “Correio” da fase em que José Rafael e Linduarte pontificavam nos jornais nesse gênero de crítica. E num fim de tarde, à saída da matinê do Plaza, dou com o belo rapagão de cabelos longos, não tanto quanto os dos Beatles. E vem daí, meio século seguido, no trabalho, nas afinidades, em família, na vida, enfim, essa ligação diária que eu não poderia ver, jamais, de olhos cerrados e mãos cruzadas para sempre. Que me perdoe a família, a comadre Goretti, Lu, Maria Amélia, Mengo, a afilhada Maria Isabel, João e o neto que vinha fazendo dupla com ele na foto do WhatsApp.
Com esse Martinho, “que virou uma estrela luminosa” no céu de Ana Adelaide, vai-se a luz de muitas dúvidas e incertezas do meu cotidiano de amigo e de cronista. Foram cinquenta anos de contactos e tira-teimas mútuos e diários. Ele lia e ouvia melhor e com mais argúcia ou astúcia do que eu. Sobretudo as leituras do dia, fossem do jornal ou do comportamento humano. Às vezes se irritava: “Não leste o jornal de hoje, não?” Eu já respondia complexado: Li. “E Não viu isso?”. Ele via o que os outros não viam, como selou o patriarca.
Nesses cinquenta anos, quantas dúvidas tirei, quantos títulos em textos ele teve de conferir ou rejeitar? Não era de esquerda, não era de direita e nem por isso um alienado político. Via a falha na cara do rei, como fazia com governadores com quem trabalhou mais direto. Com Burity, então, nem se fala. Várias vezes Sua Excelência deixava o Palácio para correr ao pequeno terraço de cadeiras duras de Martinho antes do ato ou da decisão.
Sobre ele, não vai ficar aqui o que sei e prosseguirei cortejando.
Mas há muito, muito o que dizer sobre ele.