O Dr. Arnaldo Tavares, dermatologista, professor fundador da Faculdade de Medicina da Paraíba, morreu há 28 anos, tempo bastante para vertiginosas transformações no comportamento e na vida de todos os povos. Uma delas: no seu tempo o sujeito ou objeto mais direto e principal do exame médico era o doente, a pessoa do doente e o seu físico, a apuração anamnésica, vindo depois os exames, a prioridade de hoje.
Nesse particular, começou a vantagem de Dr. Arnaldo: seu batismo de fogo sem limitar-se ao consultório, mas numa região inteira de boubentos, feridentos, claudicantes, de mãos e até de faces marcadas pela bouba, doença das mais contagiantes. Sei o que é isto porque tive uma mãe legítima de pé torto e não fiquei igual a ela por ter surgido uma outra mãe para me acudir no ato, no instante exato em que, criança de ano e meio, virei as brasas bem acesas do ferro de engomar por cima de mim. A mãe providencial deteve em tempo o socorro contagiante da outra para proteger o bruguelo queimado. Entra esse detalhe para reforçar o motivo mais forte e primeiro de minha ligação com a história singular do Dr. Arnaldo.
Pois bem, vem do contacto direto com esse mundo de privações, de ânsias dolorosas de vida, “da falta de alimentação, de higiene, de medidas de proteção contra as agressões físicas do meio em que trabalha o operário rural” – palavras suas - vem daí o saber científico desse apóstolo do bem social que se premiava com a cura de quem nem ao menos sabia o nome.
Um saber que não caía apenas na cuia do pesquisador científico como na do pesquisador social que adentra na linguagem popular, nos veios folclóricos, como “a interação de todos os fenômenos que caracterizam um povo, desde a expressão refroneira até a expressão coreográfica, partindo da palavra para o movimento.(...) É um cabedal inesgotável que proporciona a todas as ciências sociais todos os materiais de pesquisa”. Confessa em conferência de 1951, representando a Paraíba no I Congresso de Folclore realizado na Capital Federal de então.
Reunindo “Crendices Populares”, “Influência árabe na medicina” e “Estudos Etnomedicinais sobre Plantas” em dois belíssimos volumes, as Universidades de Pernambuco, da Paraíba e de Maringá, com seus pesquisadores e organizadores, conseguem editar “todo este conhecimento acumulado em mais de 50 anos de labor (...) de um cientista universal que se escondia no seu próprio trabalho, felizmente preservado por seus filhos. E não chega atrasado.
Não bastassem a temática e a expressão multicultural do autor, o paraibano ainda fatura uma das mais belas obras primas da nossa indústria editorial. Uma resposta nunca atrasada da Paraíba, em grande estilo, ao desprimor de 1928, quando Tristão de Ataíde viu na A Bagaceira, antes de ler, o “livro feio, mal impresso, em papel ordinaríssimo, repelindo o contacto com as mãos e com os olhos”. Resposta de Flávio Tavares, de Juca Pontes e da Santa Marta, parque gráfico alemão nas terras de roça de Mussuré, no nosso Distrito Industrial.