Nas estórias em quadrinhos há sempre essa dupla e suas peculiaridades. Um que corre léguas e é sabido pra chuchu; o outro anda devagar e sempre é cascudo e sagaz. Mas na vida nem sempre é assim. Com os humanos, vejo sempre ao meu redor dois grupos de pessoas.
Os coelhos, aqueles que estão sempre antenados, sempre um passo adiante, sabem tudo, planejam, dão certo, têm a ilusão de que controlam tudo, e (o pior? melhor?) controlam mesmo. Têm um ar de superioridade porque sabem que são assim. Têm pouca paciência com os mais lentos. Quando os outros estão indo, eles já estão voltando. Nas questões de dinheiro, então, não dão ponto sem nó. São precavidos, sabem o que gastam, o que não gastam e fazem o dinheiro render. São aplicados, dobrados e multiplicados.
As pobres tartarugas estão sempre a um passo atrás. São desligadas, desinteressadas de assuntos de dinheiro, pois só gostam/sabem gastar. Não entendem de datas, prazos nem de formas. São um des-controle na vida. Andam devagar. São inclinadas por outras forças. As estrelas? Talvez. Intuem que não controlam nada. São péssimas nos planos e nos enganos. Muitas coisas dão errado. Se des-cabelam. Mas sabem que não poderia ser de outra maneira.
Mas as tartarugas são intuitivas, são casca grossa. Sobrevivem. Os coelhos? São ágeis, beiram a prepotência por vezes. Têm soberba porque são eficientes. Ah! A síndrome da eficiência. Da capacidade. Tão insuportável também. Acho que as tartarugas sentem exatamente assim por ter a consciência de suas limitações e i-neficiência diante da vida. Não se propõem a tanto. Deixam rolar. O casco! E como apanham nessa nada mole vida! Apanham do Banco, da Escola, das datas, do Imposto de Renda, das contas, dos papéis e da velocidade desse mundo que só corre, atropela. O mundo hoje é dos velozes e furiosos. E as pobres das tartarugas penam. No seu passo de “Olhe o elefantinho” não foram feitas para correr! Devaneiam! Mas não sabem ser de outro jeito. Assim como o destino do escorpião, que um belo dia, trai e apunhala pelas costas. Coisas da natureza.
Ando pensando nos bichos e em nós humanos. Que bicho somos? Aí lembro do artigo que li, certa vez, da psicanlaista Diana Corso, intitulado “Uma rata libriana” (revista Vida Simples), no qual ela fala dos bichos do horóscopo chinês para explicar algumas de suas características:
“Sou uma rata: amo um duelo verbal, zelo pelo meu grupo. Convém manter-me ocupada em um ambiente desafiador... Sou de Libra, dou vários dedos da mão para evitar uma briga, mudo de opinião facilmente... o problema é que, graças ao ascendente em Escorpião, tendo à manipulação...
[...]
Meu ofício sobrevive do sentido oposto dessas premissas classificatórias. Ele se baseia na nossa imparidade: ao nascermos, nos é atribuído um nome e a missão de protagonizar a própria biografia. [...]
A parte da rata eu já entendi, mas o que me torna peculiar são os outros bichos — alguns papões — que carrego por dentro. Sem contar com o zoo que me espera do lado de fora.”
Meu ofício sobrevive do sentido oposto dessas premissas classificatórias. Ele se baseia na nossa imparidade: ao nascermos, nos é atribuído um nome e a missão de protagonizar a própria biografia. [...]
A parte da rata eu já entendi, mas o que me torna peculiar são os outros bichos — alguns papões — que carrego por dentro. Sem contar com o zoo que me espera do lado de fora.”
Lendo Diana, ou até mesmo antes, pensei ser tartaruga, lá na minha classificação anterior. Pelo avoamento, pela distração insuportável que tenho com as burocracias da vida, pelo meu espírito vagaroso e procrastinador das coisas chatas e aborrecidas. Amedrontada que sou, me escondo em meu casco duro e teimoso. Jamais serei um Pernalonga, saltitante por aí, audacioso e rápido na moleira. Vou ali no devagar e na distração, olhando pro céu, meu amor e levando pauladas da vida, principalmente de mim mesma. Conserto aqui, agilizo acolá, mas tudo tão devagarzinho. Tem sempre algo a me dispersar.
Pra completar, sou aquariana. Um pé na lua. No futuro. Esvoaçante. Signo do Ar. Sigo bailando com uma música toda minha. Mas tenho ascendente em Câncer, o que me faz abrir escalas o tempo todo. Como pode um Ser viver com um pé na lua e outro fincado no chão? Preciso do Pilates para corrigir esses esgarçamentos de músculos. E vivo com as aberturas estranguladas.
No horóscopo Chinês, passei a vida toda pensando que era Cavalo. Como considero esse bicho o mais lindo do reino, eu me achava! Via-me cavalgando com Roberto Carlos , cheio de pompa e de velocidade , com uma crina selvagem. Um galope à beira mar! Ouvindo Lenine, Bráulio Tavares, Ivan Santos e Zé Ramalho. Mas alegria de cavalo dura pouco e recentemente descobri que também era rato, o qual odeio com todo o coração. Nem Jerry me deixou feliz com essa falsa des-coberta. Sim, porque eu sou mesmo é Serpente. Aí pirei de vez. Como Serpente? Com todo o horror que tenho desse réptil? Tenho pânico de mim mesma? Enrolada, então? Não consigo nem ver e, de cobra, só gosto mesmo do couro. Acho bonitinhas as sandálias e as bolsinhas com aqueles zzzzzz impressos nos tecidos.
“A Serpente tem a teimosia exagerada e necessita de disciplina. Precisam de espaço para experimentar seus voos. Intuição aguçada. Muito perceptiva e receptiva. Jamais dobra a espinha. Espírito guerreiro inquebrantável.” Gostei desse inquebrantável! E sim, talvez seja teimosa e precise de disciplina. Perceptiva? demais até. Acho que deveria ter sido psicanalista! Enxergo sempre além. Por vezes isso é tão ruim. Sou veloz na hora de des-cobrir a natureza humana, inclusive a minha. Continuo a correr léguas desse bicho. Mas não sou coelho. Sou uma tartaruga e, assim como Diana Corso, um pouco apreensiva com o zoo que me espera lá fora...