Eu gostaria de ter a minha idade, mas sou mais velho do que eu mesmo. Preocupa-me o avanço da velhice , e vivo como se tivesse alguns anos mais... Ninguém me avisou de que a velhice dói. Não me preparei para ela...
Acho que vem do francês as duas condicionais sem a desnecessária conclusão: “Se juventude soubesse... se velhice pudesse...” Muitos velhos talvez quisessem voltar a ser jovens, pela nostalgia que sentem do vigor perdido. Mas talvez isso signifique abrir mão da experiência e do conhecimento acumulados. Querer voltar à juventude é desejar cair nas mesmas armadilhas e trapaças da vida que calejam a alma e enriquecem a mente. Eu nunca desejaria passar por isso tudo de novo.
Uma frase atribuída a Hipócrates sugere que a velhice é um estado de espírito, e que é o ideal que faz a pessoa sentir-se jovem. Há mentiras maiores do que essa. Não é o ideal que impede o avanço da fraqueza física nem os carunchos nos ossos.
Perdemos muito tempo dormindo. Se as pessoas dormem oito horas por noite, então dormem a terça parte de um dia, a terça parte de um ano, a terça parte da vida. Um homem de 75 anos passou no mínimo 25 anos dormindo. Um desperdício de tempo, que poderia ser aproveitado pelo menos durante a juventude para que pudéssemos curtir melhor a vida. Mas a natureza madrasta exige que a recuperação física pelo sono nos tome tanto tempo útil da vida...
No conto “O imortal”, do primeiro volume de Escritos avulsos, Machado de Assis, conta a história de Rui de Leão, um franciscano que recebeu do seu sogro, o cacique Pirajuá , um elixir milagroso que lhe garantiria a imortalidade. Durante mais de duzentos anos, nosso homem viveu sempre jovem, viajou por vários países, aprendeu inglês, latim, hebraico, francês, italiano, alemão, húngaro, conheceu muitas esposas, viu-as morrer a todas e aos filhos, netos, bisnetos, trinetos , tetranetos , pentanetos... Quando se cansou de viver, bebeu o resto do elixir que o cacique lhe dera e morreu. Não desejo a imortalidade, mas invejo o personagem machadiano por ter vivido sempre jovem e ter escolhido o momento de morrer.
Não sei se teria sentido a vida desse personagem. Mas isso não importa. Talvez o sentido da vida consista em se procurar um sentido para ela. Vale dizer: a vida não tem sentido nenhum.
De qualquer forma, esse personagem teria tido tempo de sobra para refletir sobre a vida e sobre si mesmo. Talvez ele tenha sentido na própria carne que a morte dói, quando foi condenado à guilhotina, durante a Revolução Francesa, mas a pena foi comutada porque a lâmina afiada lhe atravessava o pescoço sem conseguir matá-lo.
Não precisei ser guilhotinado para entender que a morte dói. Mas a velhice dói muito mais.