Em 1851, realizou-se no Hyde Park, em Londres, a “Great Exhibition of the Works of the Industry of All Nations” ou a “Grande Exposição Mun...

A triste história de um palácio demolido

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Em 1851, realizou-se no Hyde Park, em Londres, a “Great Exhibition of the Works of the Industry of All Nations” ou a “Grande Exposição Mundial”, como ficou conhecida. Foi o primeiro evento internacional que reuniu, em uma grande feira, produtos manufaturados dos países participantes. Em intervalos anuais, nem sempre regulares, seguiram-se Exposições Mundiais em diversos locais. No Brasil, a Exposição só viria a acontecer em 1922, no Rio de Janeiro, durante as comemorações do centenário da nossa Independência.

Em 1904, a Exposição Universal foi realizada em Saint Louis, nos Estados Unidos. O pavilhão do Brasil no evento foi projetado pelo engenheiro militar Souza Aguiar (Francisco Marcellino de Souza Aguiar) que também chefiava a delegação brasileira para a feira internacional.

O general Souza Aguiar, que já havia projetado as instalações brasileiras na Exposição realizada em Chicago, em 1893, planejou para a feira de Saint Louis um pavilhão com uma estrutura inteiramente metálica. O projeto foi muito elogiado na Exposição, como se vê em matéria do jornal “St. Louis Republic”, traduzida e publicada no “Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro.


“É a Pérola no Diadema dos Edifícios Estrangeiros: Assim se expressou um arquiteto fitando o pavilhão do governo do Brasil na Exposição; não sendo contestado, com estas palavras fechou o assunto: É realmente considerado o mais belo dos edifícios construídos pelos países estrangeiros”.

O pavilhão brasileiro obteve o Grande Prêmio de Arquitetura da Exposição de Saint Louis, tendo sido esta a primeira premiação internacional conseguida pela arquitetura brasileira. Ao final da feira, a estrutura foi desmontada e transportada para o Rio de Janeiro, sendo reconstruída em uma área localizada entre a Cinelândia e a Baía da Guanabara.

Batizado com o nome de Palácio Monroe, em homenagem ao presidente norte-americano James Monroe, a edificação tornou-se um dos cartões-postais da cidade. Foi utilizada pelo governo em várias funções e sediou, provisoriamente, a Câmara dos Deputados. Em maio de 1925, passou a ser a sede do Senado Federal, até a mudança da instituição para Brasília, em 1960.

Na última sessão do Senado realizada no Palácio Monroe, em abril de 1960, o senador paraibano Argemiro Figueiredo assim manifestou-se na tribuna:

“Os nossos discursos, os debates calorosos, os pequenos incidentes, o rumor dos nossos passos subindo e descendo os degraus deste recinto, este teto sóbrio e nobre, estas colunas romanas, a agitação dos taquígrafos, a curiosidade indiscreta dos jornalistas e o ruído dos tímpanos, tudo que lembrarmos transmuda-se em saudades tão intensas que nos levam a dizer que esta casa, ao cerrar as suas portas, guardará também alguma coisa de nossa própria vida”.

O Monroe, a partir daí, funcionou como uma representação do Senado no Rio, o “Senadinho”, e abrigou órgãos do Governo Federal. Em 1976, em uma polêmica decisão, foi determinada a demolição do edifício. O Palácio, um dos ícones do Rio, laureado com prêmio internacional de arquitetura, que foi sede da Câmara dos Deputados e, durante trinta e cinco anos, do Senado Federal, findou seus dias ingloriamente, como descreve notícia publicada em 10 de fevereiro de 1976, na Tribuna da Imprensa:


“Monroe está caindo — O Palácio Monroe está cedendo à ação do vaivém da picareta. Agora, sob seus escombros, onde se acumulam toneladas de mármore de Carrara e de bronze suíço, jazem páginas gloriosas do esforço de muitos brasileiros para solidificar o Poder Legislativo do País, como instituição. Por entre as árvores que ainda restam do antigo jardim do Palácio, instalou-se uma movimentada feira-livre de antiguidades, com colecionadores disputando, a preços de ouro, anjos, leões, portas, janelas, colunas, vidros e outros ornamentos que faziam, da quase secular sede do Senado, um dos prédios mais nobres da antiga Capital Federal”

A demolição do Palácio Monroe, perpetrada ao tempo da ditadura militar, foi um dos maiores crimes cometidos contra o patrimônio cultural do país. O Palácio compunha, com os edifícios do Teatro Municipal, do Museu Nacional de Belas Artes e da Biblioteca Nacional (também projeto do engenheiro Souza Aguiar) — todos construídos na mesma época —, um dos principais espaços arquitetônicos do entorno da Cinelândia, área central do Rio de Janeiro.

No plenário do antigo Senado Federal, no Palácio Monroe, tomaram assento figuras destacadas da política brasileira no século passado, como João Mangabeira, Luís Carlos Prestes, Gilberto Amado, Flores da Cunha, Roberto Simonsen, Paulo de Frontin, os paraibanos José Américo de Almeida e Epitácio Pessoa e tantos outros.


O Palácio Monroe integrava os bens patrimoniais da União e o processo da sua demolição — que decorreu de uma decisão autoritária de um governo antidemocrático, sem que fossem considerados os pareceres das entidades e órgãos envolvidos com a preservação do patrimônio histórico nacional — dá uma ideia perfeita do descaso com que é tratado o acervo cultural do país. A ordem de demolição foi emitida pelo general Ernesto Geisel, por meio de um decreto que nunca foi publicado, mas que se efetivou por um simples memorando do general Golbery do Couto e Silva, que era uma espécie de condestável do governo militar da época.

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Quando se preparava para filmar o documentário Crônica da Demolição , sobre o episódio do desmanche do Monroe, o cineasta Eduardo Ades fez algumas pesquisas sobre o episódio, que resultaram em uma extensa matéria publicada no jornal “O Globo”. Pela reportagem, sabe-se que o valor da contratação para a execução dos serviços de demolição do Palácio foi de 191 mil cruzeiros (moeda da época), ficando para o empreiteiro os materiais do desmanche do prédio.

Embora o empreiteiro contratado estivesse mais interessado na venda da estrutura metálica do prédio do que nas peças ornamentais existentes no edifício, ele obteve 200 mil cruzeiros apenas com a venda de duas das quatro esculturas de leões que ficavam nas entradas do Palácio Monroe (valor informado pelo próprio comprador das esculturas ao jornal “O Globo”). Este valor superava o valor global (191 mil) que o empreiteiro teria que transferir ao governo federal pela demolição. Estimativas indicam que, apenas com a transação do material da estrutura metálica, o contratado teria obtido nove milhões de cruzeiros, quase 50 vezes o valor total da contratação da demolição.

Muito mais do que qualquer análise do aspecto financeiro da contratação dos serviços, o que deve ser ressaltado é o desprezo das autoridades governamentais com bens tão relevantes para a história nacional. O triste fim do Palácio Monroe pode ser descrito pelo destino que tiveram várias peças do prédio, dentre elas as quatro imponentes esculturas de leões que ornamentavam as entradas do edifício.

Esculpidas na Itália, em mármore de Carrara, com uma altura de dois metros, as esculturas de leões do Monroe eram um dos mais lembrados símbolos do antigo Palácio e comumente usados nos cartões postais do Rio de Janeiro. Para Ruy Castro, no seu livro Metrópole à Beira Mar – o Rio Moderno dos anos 20, na época, “os leões do Monroe reinavam sobre a cidade que se reconstruía sem parar”.

Quando da demolição do edifício, um fazendeiro de Minas Gerais que ia passando pelo local resolveu comprar as quatro esculturas dos leões para colocar na sua fazenda em Uberaba. Depois de um tempo de posse das peças, se desfez de duas delas, certamente vendendo-as com um ágio atraente. Felizmente, essas duas esculturas que não permaneceram na propriedade rural no interior de Minas Gerais encontram-se, atualmente, no Instituto Ricardo Brennand, no Recife.

Pela reportagem de “O Globo” se tem conhecimento onde findaram algumas outras partes retiradas do Palácio Monroe. Quase todas passaram para mãos de particulares, vitrais desmontados foram levados para a França, portões, balaústres e anjos de cobre da cúpula transferidos para mansões de empresários endinheirados. Não se sabe como conseguiram escapar alguns objetos do Monroe, como os imensos microfones do plenário, que hoje estão depositados no Museu do Senado, em Brasília.

Também sobreviveu ao desmanche do Palácio Monroe o busto de Ruy Barbosa, que, atualmente, está colocado, no plenário do Senado Federal, por trás da mesa diretora. A se considerar o nível intelectual que ostenta a quase totalidade dos atuais senadores que têm assento naquela casa legislativa, o grande tribuno e civilista baiano, cultor da língua portuguesa castiça, talvez preferisse que o seu busto estivesse muito longe daquele ambiente.


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  1. As ditaduras patrioteiras verdeamarelas, como sempre, além de estarem submetidas aos "caprichos estéticos" dos ditadores de plantão, também são alimentadas pelo doce leite condensado da corrupção, que tanto dizem combater.
    A canibalização da demolição do Palácio Monroe encheu as algibeiras de muitas "famílias de bem".
    Parabéns pelos textos excelentes com os quais sempre nos brinda.

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  2. Beleza de Texto! Ele e o Palácio Monroe me remetem à Praça de Cibeles, Madri. Parei na calçada que vinha da Gran Vía e dobrava para o Paseo del Prado, extasiado: sentia-me num filme que reconstituísse o século XIX, início do vigésimo, pois tudo era tão antigo e belo quanto o Monroe e tão novo quanto ele na exposição americana. Perguntei ao dono de uma banca de revistas e jornais a que se devia aquilo, e ele me disse que a prefeitura - "el ayuntamiento" - exigia que tudo fosse pintado ou restaurado a cada ano e, se quem de direito não o fizesse, receberia os trabalhadores oficiais pra fazer o serviço e, em seguida, a conta. Isso me levou, por oposição, à triste visão de tudo que vi, na volta, cercar a marginal do Tietê, de tudo que vi ao redor da catedral neogótica de Fortaleza - ruínas cheias de mato -, e de tudo que vi, de triste, no Recife, como meu personagem no "Era uma vez eu, Verônica" lamenta, como se falasse do próprio estado, como doente terminal. Tudo muito natural num país que destruiu as próprias ferrovias, "em nome do progresso", com o resto do mundo - Europa, Japão e Rússia incluídos - nos deslumbrando com o trem-bala.

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  3. Brilhante texto !!!
    Parabéns👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏Flavio Ramalho de Brito..cuja sequência histórica de demolição nos envergonha..quando vemos preservarem tantas edificações medíocres, simplemente por "datas pregressas".
    Paulo Roberto Rocha

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  4. Flávio, seu exaustivo trabalho de pesquisa, resumido neste texto enriquecido pelos "monges iluministas e copistas" do Ambiente de Leitura, demonstra claramente como o pensamento totalitário enxerga a cultura, a arte, a arquitetura: como manifestações de fraqueza, e portanto sacrificáveis.
    É o que estamos assistindo no ensaio do bolsonarismo, elaborando o texto para o AI-6. Cuide-se, Brasil!

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