Um dos efeitos da melancolia é enfraquecer os vínculos associativos que propiciam a representação verbal. O melancólico expressa-se com dificuldade, como se lhe fosse difícil estabelecer o nexo entre significante e significado. A sua fala é lenta e marcada por claros, ambiguidades, repetições fônicas e lexicais que revelam uma espécie de desestruturação do discurso.
O tatibitate discursivo é homólogo a certa dificuldade de agir, decorrente de inibição e anestesia. O protótipo dessa inabilidade para a ação é Hamlet, que se serve do discurso para adiar a vingança que pretende levar a cabo contra o assassino de seu pai. Hamlet fala sem parar e termina como que desvinculando suas palavras da vivência real. Ele fala porque não faz e, da mesma forma, não faz porque fala. Seu discurso desliza num espaço autônomo, mobilizado pela ansiedade e por um medo disfarçado em saber.
São marcas do discurso melancólico o excesso de ideias e a repetição obsessiva de imagens e temas (segundo a psicanálise, isso indica a fixação que o melancólico tem no “objeto perdido”, ao qual adere com um desespero quase místico). No plano literário, tal discurso revela sucessivas imagens de solidão e devaneio, em que o eu lírico ou ficcional se reconhece apartado do mundo e numa condição privilegiada para refletir sobre o destino humano (Augusto dos Anjos é uma exemplar representação disso).
O melancólico recusa o comércio afetivo com as pessoas, como se isso constituísse um rebaixamento, e com um ar de superioridade prefere, a viver, contemplar o espetáculo da vida (penso de novo em Augusto dos Anjos, que do seu “observatório onde está situado” contempla o espetáculo da gênese e da dor humanas).
Órfão do Absoluto, ele se debate entre o medo da assimbolia e o desejo de capturar o signo, a imagem, o vínculo semântico que dê sentido a essa falta. Sua angústia é a de não se comunicar, ou a de fazê-lo de maneira precária, insuficiente. A linguagem, para ele, é o meio de traduzir a fratura do espírito ante a perda do Sentido Absoluto.
Daí a frequência com que, na poética da melancolia, ocorrem imagens que traduzem a angústia com a forma, a desconfiança na eficiência do verbo, o dramático combate entre a ideia e “a expressão que não chegou à língua” (conforme expressa em verso famoso o nosso Augusto).
Se o melancólico tem culpa, conforme nos ensina Freud, o corpo é o lugar de ele se punir. No plano da representação literária, tal punição se expressa por meio da segmentação ou mesmo do desaparecimento do corpo material – que ora se volatiza, na perspectiva da sublimação e da idealização, ora aparece despedaçado, corrompido, putrefeito. Isso explica as inúmeras imagens escatológicas presentes no “Eu”.