Flávio Ramalho de Brito envia-me crônica de 45 anos atrás, lembrança do que senti com a morte de Raiff Ramalho, seu tio, que faria 100 nesse 10 de janeiro. Por Raiff e por mim mesmo, peço ao leitor aceitá-la como matéria de hoje, com o mínimo de supressões:
Quando eu subia o Alto de Santa Terezinha, na entrada de Campina, e descortinava a cidade com a matriz da Conceição empanada por andares mais altos, já sabia, antes de chegar, as pessoas que sem querer me esperavam.
Nunca fui a sua casa, nem ao consultório, nem a qualquer lugar em que se pudesse consignar a existência de um convívio espacialmente estabelecido. Não era amizade nem de copa nem de sala. Nem ao menos de uma mesa de bar. Era uma estima forte, sólida, feita de encontros fugazes e num tempo de conversa que nunca foi além de uma conjunção: enquanto ele tomava o pequeno pra voltar ao consultório, enquanto eu esperava o carro que me trazia a Joao Pessoa. Passávamos de raspão nos assuntos, entre um gole e outro, e era como se falássemos uma tarde inteira. Sempre nos encontramos em menção de despedida. Com algum exagero, antes de chegar já estávamos saindo. Apesar da brevidade, vinha dele a impressão que mais demorava. Quando não o via, eu perdia a viagem.
Era pediatra, todos dizem que bom, mas nunca me falou de pediatria. Fernando Wallack (...) foi quem me disse: “É dificil a criança em Campina que não tenha parte com a Medicina de Raiff.”
Quis ir ao seu enterro. Ainda tirei do guarda-roupa o paletó escuro, mas vi, nessa arrumação, um ato forçado. Por que ir a um encontro que nunca marquei com Raiff? Por que ir a um lugar que não era o dele? Suprimi-lo do Café, encostado no balcão, a falar aos amigos, o olhar na rua, para levá-lo a um lugar que nunca cogitou de ir, a pose perdida, o inteligente olhar subtraído?! Trocar o Raiff da minha amizade, o que sempre me espera em Campina por um que se foi? Não, Raiff não é homem para isso. E muito menos eu para acreditar.”