Paulo Brasil sentado no degrau do templo dedicado a Nossa Senhora do Montserrat, que muitos confundem com Igreja de São Bento. Colado à histórica casa de orações é que moravam os beneditinos. Aqui, chamada Casa do Calvário, depois Central de Cursos da Arquidiocese.
Paulo Brasil era uma dessas figuras irrequietas: meio solitário, perambulava pelo centro, ficava, a horas perdidas, meditabundo, puxando a fumaça de cigarros. Um malandro manso, diríamos, ou um poeta do cotidiano; o nariz adunco quase a lhe esconder o rosto, o cabelo liso e puxado para a testa. Num tempo em que as drogas ilícitas não percorriam com tanta intensidade, diziam, gostava de Skank. Era sustentado por uma freira tia dele.
Não tinha profissão. Muitos o achavam inconveniente. Achegava-se à casa de conhecidos, abria a porta, entrava como dela fosse morador. Mexia as panelas, explorava leite nas geladeiras. Conversava muito, gostava de perambular a incerteza de seu viver, fixando-se, horas esquecidas, sentado à porta das igrejas fechadas, principalmente nas das proximidades da sua residência onde morava, onde, hoje, funcionam os estúdios da Rádio Sanhauá agregados a uma espécie de lanchonete ou café expresso. Este pouco frequentado pelo êxodo dos fregueses que preferem outros recintos aos do centro histórico.
No casarão a que me refiro, quando ainda era residencial, tinha o ateliê. Paulo Brasil, que eu saiba, pintava de olho; vinha-lhe à imaginação os riscos, a estrutura da pintura e ele a lançava sobre a tela branca. Nunca se preocupou com estilos ou aprendizados aperfeiçoadores que lapidam o artista na condução da plasticidade e jogo de cores na elaboração da obra pictórica. Tinha seu estilo: pintava a vida e carregava nas tintas fases de alvoroço e de crises neuróticas. Uma forma de elaborar ou exprimir patológicas vias de decepção e traumas.
Fumava baseado, numa época em que o preconceito era prevalecente. Hoje, a maconha é produto cobiçado, testado como fármaco e começa a ser valorizada. Não como bucha de cigarros, claro.
Juntando tudo, Paulo Brasil construiu sua diminuta produção artística, de caráter doméstico, e, chegou a me presentear com um cristo maltratado pela cena da via crucis. Exemplar que, para críticos radicais, não passaria de um ensaio malfadado a nunca ser classificado de Pintura. Recebi dele com muita alegria. Era um pintor, espírito contumaz, insistente, arte que significava para ele terapia. Terapia tão valorizada pela inesquecível Nise da Silveira, revolucionária da psicoterapia, através da arte dos pacientes. Paulo Brasil ficou esquecido. Sua obra jamais seria exposta. Mas fico feliz em lembrar-me de ti, Paulo. E de te expor.