Como é curto o tempo da inocência. E ficará cada vez mais difícil ser surpreendido por uma criança em um momento de lampejo poético, algo apenas possível aos que começam a descobrir a linguagem. São tantas informações, imagens, mídias, que cada vez mais precocemente o vocabulário da criança é enriquecido, e isso ocorre na mesma velocidade em que se embota a espontaneidade – a inocência.
Subitamente uma criança diz algo, um simples comentário, tão inusitado e simples. Mas são estes os pequenos cristais capazes de revestir nossos dias com um pouco da beleza do infinito.
E não adianta pedir para a criança repetir, filmar com o celular e colocar no Youtube ... Perde-se a espontaneidade, já não está mais ali a imagem que fulgurou naquele cérebro tão jovem. Não, não é possível capturar em um vídeo esses momentos, eles só cabem no espaço destinado aos sentimentos que nos aproxima do divino – o espaço da poesia.
Esse tipo de situação foi feita para ser passada como fizeram nossos avós – no boca à boca mesmo.
É como o que o filho de uma amiga lhe disse após ela receber alta do CTI: “mãe, que bom que você não morreu. Você é tão quentinha”. Qual poeta, me arrisco a dizer talvez um Manuel Bandeira, poderia ser tão perfeito ao falar do amor de maneira tão singela e perfeita?
Quando diz isso, a criança não está sendo espirituosa, não é um chiste, ela está sendo autêntica e descrevendo uma experiência emocional. Isso é divinamente primitivo.
Foi o que aprendi com minha filha em uma manhã ensolarada de domingo. Ela acordou, coçou os olhinhos, olhou para a porta e disse: “A porta está amarela!” Uma porta, fenestras, claridade...Não foi isso o que viu aquela borboletinha de cachos dourados...
Ela surpreendeu o dia com sua visão multifacetada.
A criança sabe olhar com a imaginação; vislumbra o vôo sob o Sol da manhã. E, quando chegou a noite, ela recostou-se em mim e sussurrou manhosa: “ Pai, meus olhos estão encharcados de sono ...”.