Quando injetava sangue novo em formas poéticas já debilitadas e conseguia soerguê-las sob uma nova aparência, Mario Quintana procedia como um “construtivista”. E quase sempre procedeu como tal, já que possuía um temperamento oposto ao de Oswald de Andrade, cuja fama de “demolidor” fez história nos arraiais do modernismo e fora dele.
Mas entre não ser um “demolidor” e receber a pecha de epígono desse ou daquele movimento poético vai uma diferença muito grande. Tão grande que chega a soar como uma clamorosa injustiça tachar de epígono logo quem, apesar de tributário do parnaso-simbolismo, do surrealismo, do modernismo e de outros tantos ismos que tenham confluído à sua poesia, jamais arredou o pé de seu hábitat natural. Enfim, quem não se filiando a nenhuma escola terminou sendo um contemporâneo de si mesmo, um poeta de formação clássica, mas congenialmente moderno.
Aliás, segundo Quintana, a maior conquista da poesia moderna não decorre da associação de idéias, mas da associação de imagens, concepção que o aproxima do surrealismo, cuja ênfase conferida à imagem é uma constante. Que o diga Aragon, para quem “o vício chamado Surrealismo é o emprego desregrado e passional da estupeficante imagem, ou melhor, a provocação incontrolável da imagem por ela mesma e pelas perturbações imprevisíveis e metamorfoses que ela carrega no domínio da representação, pois cada imagem, a cada vez, ordena uma revisão de todo Universo”.
Já o Quintana híbrido, a um só tempo clássico e moderno, além de se manifestar no plano da prática, pode ser visto pelo menos a partir de dois textos através dos quais emite alguns postulados teóricos sobre a “ars poetica”. São eles “Resposta” e “Carta”, ambos publicados em “Caderno H”.
No primeiro, respondendo ao jovem poeta Liberato, cujo nome fictício é uma referência explícita ao ponto nodal de suas reflexões, Quintana adverte que o verso-librismo libertou o verso, mas não o poeta. Conclusão, diga-se de passagem, diametralmente oposta ao “modus operandi” de Liberato, “que se sente muito a gosto em poetar de mão livre e coração aberto”. E continua: “Havia, antes, uma arte poética cujos rudimentos estavam ao alcance de todos e que, se não ensinava a fazer um poema perfeito, ao menos permitia fazê-lo sem imperfeições. // Agora, qualquer poema é uma aventura, boa ou má. O poema livre, como o seu nome diz, não é obrigado a ter versos de medida clássica, muito embora os possa ter, visto que um bom verso clássico é tão natural ou expressivo como outro qualquer. Mas se as linhas do poema que você estiver fazendo ‘livremente’ não se complementarem, se o todo não apresentar uma misteriosa unidade, o poema se desagrega. Tudo tem que estar interdependente, como num sistema planetário. O poema livre é um jogo de equilíbrio prestes a desabar ao mínimo descuido do construtor”.
Quintana tampouco dispensa críticas aos que armam o poema em versos regulares e muito menos aos parnasianos, pois se a tarefa dos primeiros se configurava tão segura quanto empilhar paralelepípedos, esses últimos pareciam utilizar uma rede de proteção com o receio de que, perdendo o equilíbrio, pudessem sofrer uma queda desastrosa. Eram, portanto, precavidos por natureza.
Quanto ao fato de não ministrar ou prescrever normas das quais o jovem poeta pudesse fazer uso no ato da criação, atenta que não há regras ou truques quando o assunto é poesia. “Ou, por outra, há. Mas isso depende do livre esforço de cada um. O verdadeiro criador é como esses presidiários que forjam, por si mesmos, as próprias armas...”