Não é nostalgia, qualquer coisa assim que entristeça, que nos leve ao banzo por alguns momentos. É relembrança mesmo, um mimo, um brinde, uns picos de memorialismo perenizado, inevitáveis, que nos fazem iniciar viagens pelas décadas de ouro das noites antigas de nossa encantadora capital paraibana.
Assim ainda posso sentir o velho mito das vibrações que cuidavam de nós, autênticos adolescentes de primeiras viagens, desbravadores de afinidades, candidatos à autenticidade da noite, transbordada de pacatos notívagos, movidos pelos efeitos mágicos dos tempos bem vividos.
Quem já não esbarrou frente aos raios do outro dia, entregando-se à amplidão da manhã nascente, com o feitio dos fulgores, uma espécie de feitiço que habitava nas décadas de 70/80 que nos conduzia aos inefáveis sentidos da alma adolescida em profusão?
Protegidos pelos ventos de noites castas, andávamos sem ser surpreendidos por bandidos nas ruas, numa época em que não se conhecia ainda tanta violência. Raro, ouviam-se os gritos incessantes das sirenes das viaturas policiais!
Portanto, fomos autênticos templários de um céu aberto com sede de estrelas e fome de luas. Naquele tempo, nada era piegas e ultrapassado.
Hoje, há um universo de surpresas e de caminhos ambíguos. O avanço ameaça suprimir o nosso trem puxado pelas forças dos nossos pensamentos locomotivos. Os tempos quase não nos falam mais do bonde que andava nos trilhos das ruas da cidade, essa condução que ainda hoje nos leva e nos traz, embarcados nos nossos antigos sonhos de criança, pelos dolentes itinerários das acácias. O que seria do trem bala, se não fossem os bondinhos elétricos? Não existiriam as configurações de dentro de si. É que o trem bala se completa com as doces lembranças do bonde elétrico. “Lá me vou de bonde, sem saber pra onde, amorcegado na memória”.
Vai longe o tempo... Muitas casas noturnas marcaram época em nossa cidade, mesmo à época quando havia um movimento um pouco tímido da noite. As churrascarias. “O Bar da Nega”, o “Bar e restaurante do Onaldo”, o “Bar de “Leodércio”, “O Luzeirinho”, “Flor da Paraíba” e tantos outros guardados em nós com uma revoada de noites que voaram e ficaram imorredouras.
O “Bar Tabajara” era o lugar para onde quase sempre se convergia no final da madrugada. Lá se realizava a foz da jornada boêmia. As damas da noite ajudavam a bordar as vestes de nossas fantasias. Exibiam os seus trejeitos profanos com seus ares sensualmente insinuantes. As mesas de ferro e mármore eram seus pontos lascivos, onde ficavam exibindo metade dos seios túmidos do corpo quase nu.
São andanças que fizeram a época que não se evolam apenas em palavras saudosas, e sim, no gosto íntimo dessas muitas aventuras que começam a reprisar através de um nítido retrovisor.
A borracha da modernidade, que ousa apagar – injustamente – tantas luzes acesas, (ribaltas instaladas em nosso circo), não resiste à dura expressão dessas lembranças. Ainda bem! A nossa época dourada nos ensinou que o ouro deve ser guardado no nosso escrínio sensorial como valor indestrutível. É a forma de fazer sobreviver o indelével jeito de se acumpliciar com os fatos que viraram timbres nas nossas vidas.
A boemia, que era ilibada, fascinante, ficou nos idos desses anos. E, de um jeito mágico (e milagroso), está ainda entronada em nós com nobreza inolvidável. Desse jeito, sim, a noite ainda mora em muitos e em tantos! “Foi o tempo da verdade da alma”, como diria Ruben Alves.
E é por essas razões que, lá pras bandas desses lugares lucilantes, brilham estrelas sobre o céu da Bambu de Virgínius da Gama e Melo, sob o telhado de tantas reminiscências. Mas aquela marchinha antiga de Carnaval, que vamos ouvir no próximo Carnaval, ela é que mais insinua e suscita essas histórias: o cheiro ativo do lança-perfume, que hoje sentimos impregnado na memória e que não larga da certeza de nosso tempo: “A nossa vida era realmente um Carnaval”.