Sou do tempo (isto é apenas um fato, não um juízo de valor) em que experiência era algo que se fazia em laboratório, com pipetas e tubos de ensaio. Coisa de cientista ou candidato a. Agora tudo mudou. Tudo se tornou experiência.
Você vai ao restaurante desejando apenas degustar uma boa bebida e um bom prato, às vezes algo até mesmo simples, sem sofisticação, tipo um honesto filé com fritas ou uma feijoada decente (se for no almoço, claro), e aí chega o garçom, o maitre ou até o próprio chef para lhe anunciar solenemente que, ao invés da degustação pedida e desejada, você vai na realidade usufruir de uma “experiência”, assim mesmo, com aspas e tudo, para dar maior transcendência, de modo que você fica até receoso, sem saber o que irão lhe servir. Puxa, você pensa, eu só queria tão somente meu filezinho (ou meu feijãozinho) e de repente vem esse cara dizer que em seu lugar terei uma experiência. Mas será que eu quero fazer essa troca? Afinal, estou pagando, e, segundo o ditado, o freguês tem sempre razão. Porém, que fazer se não lhe foi dada nenhuma opção? É pegar ou largar. E você já está com fome. E já está ficando tarde para procurar outro lugar. Então seja o que Deus quiser, você conclui, que venha a tal da experiência.
E ela vem, pousa na sua mesa e você a experimenta. Para concluir das duas uma: ou a sua comida está tal e qual a respectiva tradição, sem nada de muito diferente, e aí onde está mesmo a experiência?, ou o seu prato, de tão elaborado, é algo totalmente diverso do que você pediu, e talvez essa seja a experiência que lhe prometeram, ou seja, um filé que não é filé (ou um feijão que não é feijão). De qualquer modo, supõe-se que você teve uma experiência (boa ou má, não importa). E que não pagou barato por ela.
No hotel, a mesma coisa. Você vai contratar um para hospedar-se, desejando apenas conforto, boa comida e tranquilidade, ou seja, apenas aquilo que se espera de um hotel adequado, qualquer que seja, com mais ou menos estrelas. E aí a pessoa que lhe atende vem com toda aquela conversa: que você não vai apenas aproveitar uma belíssima vista, uma suíte confortabilíssima, um restaurante maravilhoso, um serviço de primeira; você vai, além de tudo isso, vivenciar uma ... uma experiência. É quando, nesse instante, você, cauteloso como sempre, atreve-se a perguntar: “E essa experiência tem algum custo extra?”
Absolutamente. Não tem. Está tudo incluído no preço, ainda bem. E você se submete aos argumentos experientes e vai descansar em seu quarto, ainda apreensivo com o que poderá vir a ser sua experiência. Passado o final de semana, já retornando para casa, você remata aliviado (ou com decepção) que, graças a Deus, não pagou nada a mais pela apregoada experiência. Simplesmente porque você não conseguiu identificá-la em nenhum momento de sua estada no hotel, o qual, ainda bem, entregou-lhe exclusivamente o que se esperava dele. Quem sabe, talvez a experiência fosse essa, ou seja, não ter experiência nenhuma, só a expectativa, você conclui, entre satisfeito e pesaroso.
E assim com quase tudo, como sabemos. Sexo há muito que virou experiência - banal, diga-se de passagem. Assistir a um filme, idem (a pipoca ainda é a mesma, viva!). Nos relacionamentos afetivos, mesmo nos casamentos, não se tem mais o mínimo de compromisso, tudo é apenas - e tão só - experiência. Namora-se, vive-se junto ou se casa por experiência. O amor é um despreocupado experimento a dois (ou a três), no mais das vezes fadado a dar errado nas primeiras tentativas, como nos laboratórios. Não há perseverança; logo, é mínima a possibilidade de acerto.
E há um detalhe que poucos percebem. Para ser realmente uma experiência, com o caráter extraordinário com que é anunciada, ela, por princípio, só pode acontecer uma única vez, já que se se repete se banaliza, isto é, perde o encanto, deixando, portanto, de ser uma “experiência”. Não se pode viver duas vezes o mesmo inusitado fenômeno, do mesmo modo que ninguém se banha nas mesmas águas do rio de Heráclito.
O fato é que até Deus virou experiência a estas alturas. Já se ouviu padre e pastor convidando os fiéis: “Venha experimentar Deus em sua vida!” Veja só. Só falta completar, como bom vendedor: “Se não gostar, você parte pra outra, sem problema, pois é só uma experiência.”
Neste fim de ano pandêmico, estamos tendo a oportunidade de vivermos o que para muitos deve ser uma inesperada experiência: a renúncia (mesmo que involuntária) às aglomerações barulhentas e o requintado prazer das celebrações sóbrias e restritas apenas aos mais amados. Isto sim parece ser um avanço civilizacional na barbárie reinante e uma experiência que vale a pena.
Feliz 2021 para todos os leitores do ALCR e suas famílias.