Parte I
Cogumelos gigantes no vale do rio Loire: um jantar inesquecível!
Cogumelos gigantes no vale do rio Loire: um jantar inesquecível!
A Guerra dos Cem anos foi uma longa seqüência de conflitos armados entre a França e a Inglaterra, que se estendeu de 1337 a 1453. A beligerância foi motivada basicamente por interferências indevidas da Coroa da Inglaterra nos reinados da França, quando Eduardos, Carlos, Henriques, Felipes e Joões se alternaram no domínio parcial de território francês.
Em 1066, Guilherme, duque da Normandia, sagrou-se vitorioso em batalhas contra as tropas da Inglaterra e conquistou o trono inglês. No entanto, ele e seus sucessores continuaram reconhecendo a soberania do rei francês, de quem se consideravam súditos.
A maioria dos autores considera que, ao todo, foram quatro períodos de beligerância. Alguns estudiosos, contudo, falam em três períodos. O departamento da Normandia e o Vale do Loire, na França, foram os cenários mais freqüentes da guerra, por sua proximidade à Inglaterra. Ao longo desses mais de cem anos, houve troca de soberanos. No quarto (e último) período, surgiu uma jovem camponesa de nome Joana d’Arc (Jeanne d'Arc), nascida na pequena vila de Domrémy, no Departamento de Vosges, nordeste da França. Com apenas 17 anos, ela alegou ter visões de santos, que a estimularam a partir para defender a França.
É importante saber como eram as defesas francesas à época. A resistência às tropas inglesas era exercida de forma errática, precária, pelos senhores feudais e pelos mercenários que contratavam. O exército nacional era desmoralizado, sofria derrotas freqüentes. Por isso, a coroa se esquivava, deixando os conflitos para os feudos. Com muita insistência, Joana d’Arc conseguiu ser recebida por Carlos VII e convencer o rei que o embate com a Inglaterra tinha que ser considerado como uma agressão à soberania nacional.
O exército de Joana d'Arc era composto por voluntários de todo o território francês, que lutavam pela França e pela defesa do rei Carlos VII. Seguindo para Orleães, a jovem e seu exército percorreram a região do Loire e foram muito importantes para a união dos franceses em torno do soberano e no fortalecimento de sua nacionalidade.
A batalha durou sete meses, de outubro de 1428 a maio de 1429. A partir da vitória do Cerco de Orleães, Joana d'Arc e seu pequeno exército deram início à expulsão dos ingleses, que passaram a ocupar apenas o território de Calais, ao norte. Tempos depois, a região também voltou a ser território francês.
Em 1430, tentando liberar uma ponte de acesso a Compiègne, que estava cercada por tropas francesas e borgonhesas, Joana d'Arc foi capturada pelos borguinhões, que ainda eram aliados dos ingleses, e entregue a estes. Levada para Rouen e colocada a ferros sob a guarda de soldados ingleses, ela foi apresentada a um tribunal inquisitorial composto predominantemente por clérigos franceses, da corrente contrária ao rei Carlos VI, e presidido pelo bispo de Beauvais e mestre da Universidade de Paris, Pierre Cauchon. O rei Carlos VII, por sua vez, não fez nenhum esforço para defendê-la. Não ofereceu recompensas, abandonando-a à própria sorte. Podia ter trocado a sua liberdade por prisioneiros ingleses, mas não o fez.
No dia 30 de maio de 1431, Joana d'Arc, com apenas 19 anos, foi queimada viva numa fogueira erguida na Praça do Velho Mercado, no centro de Rouen. Suas cinzas foram jogadas no rio Sena.
Posteriormente, os borguinhões retiraram o apoio aos ingleses, tornando possível o Tratado de Arras (1435), que pôs fim à Guerra dos Cem Anos. Teve participação fundamental na elaboração desse acordo o Chanceler Rolin, da Borgonha, assunto muito bem tratado no excelente livro "A Saga do Chanceler Rolin", do sanitarista e escritor Sérgio Rolim Mendonça.
Quando decidimos realizar uma nova visita à França, em setembro de 1999, elaboramos um roteiro de viagem muito bem planejado, como todos os outros. Por brincadeira, dei-lhe o título de La Route du Vin Rouge, a rota do vinho tinto.Fomos acompanhados pelos bons amigos Sérgio Luz e Tereza, de João Pessoa, e José Karlisson Severiano e Socorrinho, de Arapiraca, Alagoas.
Pesaram em favor da escolha do Vale do Loire, como primeira etapa, além dos castelos famosos, a história de Joana d'Arc, o museu de Leonardo da Vinci e o cogumelo de Saumur, considerado o melhor da França.
Numa bela manhã de sábado, após sete dias maravilhosos (pleonasmo!) em Paris, partimos para a conquista do vale do rio Loire.
Nossa primeira parada foi o Palácio de Versalhes (Château de Versailles), onde passamos algumas horas percorrendo os seus aposentos. A beleza é proverbial: salões, corredores, jardins, escadarias, lustres...
A próxima etapa foi a cidade de Chartres, onde chegamos à tardinha. Fomos diretamente conhecer sua catedral, famosa pelos vitrais enormes e belos e, também, pelo imenso órgão. Para nosso deleite, um casamento ocorria naquele instante e o órgão, a toda altura, proporcionou um espetáculo surpreendente!
Seguimos, depois disso, para Blois, onde pretendíamos instalar o nosso quartel general, com o objetivo de conhecer o mundialmente famoso vale.
Quase quebramos a cara, pois não havíamos reservado as acomodações. Tínhamos feito reserva apenas em Paris, num modesto hotel próximo à Porta de Saint-Denis e da estação de metrô "Bonne-Nouvelle".
Com muita insistência, conseguimos, em Blois, três quartos no hotel Ibis. Os apartamentos eram confortáveis apenas o suficiente para dormir. Mas, quando viajamos, hotel deve ser tratado como o local para deixarmos as malas de dia e descansarmos à noite.
Blois é uma cidadezinha medieval, pequenina o suficiente para gostarmos. E adoramos! O castelo é a principal atração da cidade. O átrio tem dimensões consideráveis. Os seus quatro lados foram construídos em épocas diferentes, e sofreram mudanças importantes ao longo dos cinco últimos séculos.
À noite foi exibido um espetáculo de som e iluminação. Em pé, no meio do átrio, assistimos a um filme projetado em suas quatro paredes, narrando os períodos da Guerra dos Cem Anos. A produção mostrou, principalmente, as invasões do vale do Loire por tropas inglesas, ao longo de mais de um seculo, e a participação decisiva de Joana d'Arc, heroína consagrada em toda a França, que organizou a resistência aos ingleses.
Aliás: é nítida a presença de Joana d'Arc em todo o vale, pois foi a região que ela inicialmente percorreu, estimulando o povo francês para resistir contra a presença do inimigo inglês. Por todos os lugares encontramos placas comemorativas à sua passagem.
Na manhã seguinte, fomos conhecer outros dois castelos do vale do Loiree, que é abundante nessas construções, cada uma mais bonita do que a outra. Começamos com o castelo de Chambord. Para mim, é um dos dois mais belos castelos da região. O outro é o Castelo de Chenonceau.
Que bela arquitetura a de Chambord! A fachada imponente, as torres, as ameias, os terraços... Encontramos também uma curiosidade: a sua escadaria é, na realidade, dupla. Foi construída a partir de um projeto de Leonardo da Vinci. Trata-se de uma dupla hélice, que permite que se suba por ela sem encontrar quem está descendo.
Fomos, então, conhecer o castelo de Amboise. É uma construção bastante volumosa, sendo externamente mais sisudo, menos gracioso, por fora, do que Chambord e Blois. Seu interior, no entanto, é mais bonito. Vale o destaque, também, para o jardim por trás do castelo.
Amboise é a cidade que acolheu Leonardo da Vinci em 1516, convidado pelo rei François I. O lugar onde o artista morou nos três últimos de sua vida — o castelo Clos Lucé — fica bem próximo ao castelo de Amboise. O belo palácio atualmente abriga um museu com réplicas de inventos, pinturas e desenhos daquele que foi o maior gênio que a humanidade produziu.
Jantamos no restaurante L'Escargot, onde nos serviram cogumelos do tamanho de um prato, coberto por escargots. Deliciosos!
E demos por encerrada a etapa do Vale do Rio Loire com seus castelos encantados.