A Geração 65, de Pernambuco, reúne um grupo de poetas cuja diversidade formal e temática põe em evidência o fato de que o ideário das vanguardas passou à margem do constructo poético de cada um dos seus componentes. Quando muito, houve influências individuais de poetas sobre poetas, como é o caso da de João Cabral de Melo Neto, no primeiro Alberto da Cunha Melo, ou as de Carlos Pena Filho e Mauro Mota em Jaci Bezerra, sobretudo no aproveitamento das paisagens recifenses nos poemas desse último. Afora isso, cada poeta ocupa um espaço próprio, particular, individual, embora suscetível às naturais influências decorrentes das leituras de outros poetas, ficcionistas, ensaístas, etc.
Dentre os poetas que integram a Geração 65, Ângelo Monteiro é um caso à parte, principalmente quando aplaina o espaço exíguo dos poemas minimalistas e os converte num verdadeiro feudo, através do qual o eu lírico, indagando e perquirindo a respeito da origem, da existência e da destinação do homem, dá vazão a questionamentos metafísicos.
Ângelo é um leitor devoto e abnegado de Jorge de Lima, sobre o qual escreveu um excelente ensaio: “O Conhecimento do Poético em Jorge de Lima”. Pois bem, a exemplo do autor alagoano, principalmente o do “Livro de Sonetos”, as ressonâncias do surrealismo na sua poesia não o fazem descurar do aspecto formal, do comedimento que, em última análise, são provenientes de uma espécie de “vertigem lúcida”: “(...) Quando, mesmo entre os cultivadores do ocaso,/ existe a misteriosa exigência de uma ordenação”.
Aliás, o estro vulcânico de Ângelo Monteiro jamais iria se sujeitar às letras frias dos breviários estéticos, como de fato não se sujeitou desde o seu livro de estréia até o mais recente, todos – sem exceção – incluindo poemas que fornecem ao leitor o espírito que preside e rege a gênese de sua poesia: investir maciçamente na imanência para atingir o transcendental: “Como fugir à dor da transcendência/ se ela aferra na carne as suas âncoras (...)?”
Valho-me, aqui, de um trecho utilizado por Ângelo Monteiro no ensaio “Manuel Bandeira e a Poética do Modernismo”, inserto no livro ‘Arte ou Desastre” (Realizações Editora, São Paulo, 2011): “Disse Manuel Bandeira, numa de suas páginas, que Wagner contou nunca exprimir o que via, mas o que sentia a propósito do que via, quando a maioria dos poetas brasileiros conta apenas não propriamente o que veem, mas o que leem”.
Tais palavras caem feito uma luva não só na sua concepção de poesia como também na sua práxis poética, ao tempo em que explicitam a razão pela qual ele jamais se mostrou receptivo à apropriação do conteúdo programático do Concretismo e seus desdobramentos, pois, na verdade, faltavam às vanguardas a “marca suja da vida” e as inquietações de ordem metafísica. Ou seja, erigindo a metalinguagem como carro-chefe – assim como o Parnasianismo o fez com relação ao soneto –, aos vanguardistas mais ortodoxos coube, quase sempre, o procedimento narcisista de exibir o virtuosismo formal, o investimento nos torneios retóricos e no jogo de palavra-puxa-palavra, para, finalmente, corroborarem a conclusão de Bandeira segundo a qual “(...) a maioria dos poetas brasileiros conta apenas não propriamente o que veem, mas o que leem”.
E mais Ângelo Monteiro ratifica a sua concepção e práxis da poesia quando, mesmo referindo-se ao poeta pernambucano, parece falar a respeito de si mesmo: “(...) a inseparabilidade, em Bandeira, da sua experiência poética (...) da sua trajetória existencial”.
Ocorreu-me, agora, um poema de Cassiano Ricardo – “Poética” – que serve para demarcar e diferençar o espaço de Ângelo Monteiro do das vanguardas, valendo lembrar que o texto a seguir transcrito integra o livro “Jeremias Sem-chorar”, espécie de bíblia da minha geração: “1 Que é a Poesia? // uma ilha/cercada/ de palavras/ por todos/ os lados. // 2 Que é o Poeta? // um homem/ que trabalha o poema/ com o suor do seu rosto. / Um homem/ que tem fome/ como qualquer outro/ homem”.
Conforme se observa, o eu lírico dá uma ênfase toda especial à transpiração em detrimento da inspiração, na medida em que ao poeta, expulso do paraíso, cumpre elaborar o poema com o suor do seu rosto, e não mais recebê-lo, simplesmente, como uma dádiva dos deuses. No caso de Ângelo, embora ele seja um severo trabalhador da palavra, a sua concepção de poesia é de outra ordem: ele não se circunscreve e se restringe, simplesmente, ao âmbito da palavra, mas a extrapola, o que significa dizer: dilata o seu raio de ação metalinguístico para alçar voo ao transcendental. O que o poeta-demiurgo Ângelo Monteiro o faz untando e ungindo os seus poemas não somente com o suor do labor artesanal, mas também com o suor dos seus sonhos*.
Certa feita, escrevendo sobre o poeta paraibano Vanildo Brito – e na esteira de Carlos Drummond de Andrade –, observei que ele deixou de ser moderno para se tornar eterno. Tais palavras, creio, posso repeti-las com relação a Ângelo Monteiro, uma vez que ambos optaram por uma poesia imune a modismos, apenas com uma diferença: se a dicção poética de Vanildo é de feitio clássico, apolíneo, a de Monteiro, embora também clássica, possui o fogo, a larva dos vulcões insones, incandescentes, em constante erupção, o que lhe confere uma roupagem ou um caráter dionisíaco.