É dezembro porque as músicas de Natal estão surgindo timidamente. Mesmo que os grandes comerciais com trenós, renas e um Papai Noel rosado e sorridente tenham ficado escassos, em algumas varandas persistem luzinhas coloridas e na recepção do prédio montaram uma vistosa árvore de Natal, mesmo assim, é um dezembro estranho, chocho.
É dezembro porque as mangas abundam por todo lado e o cheiro de caju invade cada quitanda ou mercado. Nada impede que a natureza continue sua trajetória
e que os pés de frutas floresçam, coloquem seus frutos e deixem que o sol os amadureça como mãe zelosa. Diferente de muitas pessoas, nunca tive grande simpatia por dezembros. Por mais que iniciasse o período de férias e que com ele viesse a perspectiva do verão, muito sol, e nadar o dia inteiro, mesmo assim, dezembro nunca me cativou.
Em outros anos, em meses de dezembro, havia pessoas prevenidas. Estas faziam listas de presentes, enfrentavam lojas abarrotadas para seguirem rigorosamente o planejamento de presentearem fulano, sicrano. Além disso, se atormentavam a cada dia que aproximava do Natal, por não conseguirem o que haviam se determinado a fazer. Dessas pessoas, eu sempre senti pena.
Havia também os que preparavam as ceias natalinas. Os pratos caprichosamente elaborados, numa quantidade que poderia nutrir facilmente o dobro dos que estariam presentes. Surgiam as passas, os fios de ovos, os perus enormes, os tenderes cheios de losangos feitos por cravos espetados. Claro, não esquecendo as toalhas natalinas com aplicações de sino, que saíam dos armários, eram lavadas, passadas e se preparavam para receber uma taça de vinho entornado por um tio, digamos, alegre em excesso.
Continuo achando este dezembro estranho. Não penso em comprar uma roupa nova para usar no Natal ou algo branco para usar no Ano Novo. Brincos, que adoro, viram incômodos quando usados com máscaras. Sapatos com um salto maior, para ir aonde? Melhor mesmo é a comodidade dos shorts, uma sandalinha confortável e estou pronta para viver este dezembro.
Não vou nem comprar uma agenda de capa dura estampada com o número do próximo ano. Sei lá o que poderia escrever na primeira página, no dia primeiro de janeiro. Fazer uma lista de novas resoluções? Impossível. Talvez um bloco de desenhos e uma coleção de lápis de cor aquarelados sejam melhor aproveitados.
Gostaria imensamente de escrever mensagens desejando Feliz Ano Novo, Feliz Natal, boa viagem de férias, mas nada disso soaria verdadeiro. Penso muito mais em agradecimentos, em reforçar meu carinho, em dizer que sinto saudades, em desejar que a saúde esteja presente no corpo e na alma das pessoas de quem gosto.
Neste dezembro diferente, espero a cura do mal, ou a prevenção que nos imunize contra ele. Espero assistir e participar de histórias emocionantes sobre almas boas que presenteiam crianças, sobre casebres que tenham uma trégua na fome, sobre pessoas que vencem a doença. Sei que este dezembro nunca será esquecido, nunca será repetido, nunca deixará saudades. O mais importante, porém, que ressalto, é que não percamos a fé em Deus, a fé uns nos outros e em nós mesmos. Dezembro é apenas o último mês do ano. Até aqui, sobrevivemos, tivemos medo, nos sentimos solitários, mas tenho certeza que cada um, a seu modo, saiu fortalecido.
Desculpem não enaltecer dezembro e a data do nascimento de Cristo, mas realmente meu espírito natalino é irônico demais. O que posso fazer se gosto do imprevisto, do simples, do que é feito sem obrigação, se gosto dos pequenos presentes acompanhados da frase: “não repare, eu fiz pensando em você”. Existe coisa mais linda do que isto?
Cristina Lugão Porcaro é bacharela em artes plásticas, psico-pedagoga e escritora