Dedico este artigo ao meu saudoso amigo José Severino Magalhães, companheiro das coisas boas da vida: ele gostava tanto de xadrez como de música. Adorava todos os ritmos, chegava a ser radical: dizia que era capaz de dançar até o uca-uca, dos índios xavantes!
Tudo na vida tem um ritmo, e cada um de nós temos os nossos próprios ritmos. A vida nos ensina qual é o melhor. Para aqueles que decidem constituir família, por exemplo, o ritmo é namorar, noivar e casar. Cada etapa dessas tem o seu tempo; ou ritmo, pois ritmo é tempo, é o momento de cada coisa.
Ritmo é a expressão e o encontro do tempo com o som e o movimento. Os músicos utilizam o metrônomo para cadenciar as suas músicas, quando estão estudando ou compondo. Os bailarinos usam o mesmo instrumento para ritmar os seus movimentos, ao longo da música.
Na meninice a gente aprende vários ritmos. Por exemplo: acorda, escova os dentes, come o desjejum e vai para escola. Outro: almoça, faz os deveres de casa e brinca. Mais outro: janta, brinca e dorme. E por último: desobedece, responde grosseiro, leva umas palmadas, vai dormir soluçando...
É claro que nada disso é perfeito, podem surgir complicadores. O celular é um deles, o mais moderno desorganizador de ritmos. Cabe à gente saber administrar esses instrumentos problemáticos.
Quando meninos nós prestávamos atenção ao tique-taque do relógio de carrilhão da nossa casa, que meu pai dava cordas todos os dias. Era ele que marcava o ritmo da família.
Cedo procurei aprender como ouvir uma música. Primeiro presto atenção ao som, busco identificar os instrumentos que o produzem. Depois procuro localizar os sons graves, buscando ouvir o contrabaixo, que é o elemento que melhor marca o ritmo de uma música, com a bateria. Depois é que tento identificar os outros instrumentos.
Ao final da infância assistimos no Cine Brasil ao genial filme "Fantasia" (1940), de Walt Disney. Para mim essa película é a expressão maior da junção física do som com o movimento. Nela, Disney deu “cara” ao som, deu-lhe visibilidade.
Uma das melhores lembranças da película é a música "Valsa das Flores", do balé "Quebra-Nozes" (Opus 71a), de Piotr Tchaikovsky. E o que mais chamou a atenção foi que no início da música o ritmo é marcado pelo som de trompas! Acho que foi a partir daí que passei a prestar maior atenção ao uso destes instrumentos para fazer o compasso de uma música. A música "Heute Nacht Oder Nie", executada pela Palast Orchester, também tem o seu ritmo marcado por tubas.
Quando ainda éramos pequenos, nosso pai comprou uma radiola, e aos poucos foi-nos abastecendo de discos diversos, os quais ouvíamos diariamente. Foi o despertar para uma nova dimensão: o mundo do som!
Por essa época aprendemos a gostar de músicas, com seus ritmos variados: sambas, músicas clássicas, guitarra espanhola, o ritmo rodopiante das músicas de Ray Conniff, a bossa nova, mambo bolero e chá-chá-chá!
Assim, tivemos a oportunidade, ainda criança, de conviver com long-plays como: "Feitiço da Vila", com músicas só de Noel Rosa; "Marchas e Dobrados Célebres", com a Banda do Corpo de Bombeiros do antigo Estado da Guanabara; "La Dance du Feu", só com clássicos da guitarra espanhola; um álbum antigo de Glenn Miller; os álbuns "Continental", de Conniff; Perez Prado, entre muitos outros.
Cedo ainda fiquei fascinado pelo ritmo das músicas de Ray Conniff. Percebo ritmo em muitas coisas que vejo, no dia-a-dia. Certa vez na Festa das Neves teve um brinquedo que consistia em xícaras grandes o suficiente para pessoas se sentarem, que estavam sobre um imenso tablado que girava, e cada uma das xícaras girava em torno de si própria.
Para mim, esse é exatamente o movimento ritmico das músicas produzidas pela orquestra de Ray Conniff: o casal dança como estrelas binárias que giram em torno de si, e ambas em torno do sol. O som é rodopiante!
Na adolescência, descobrimos que o coração bate diferente: o ritmo é mais acelerado do que na infância. É quando surgem as primeiras palpitações. Botando a mão no peito, analisava: ritmo regular, acelerado. Mais tarde, no curso médico complementava: ritmo regular, sinusal, freqüência igual a 68 batimentos por minuto... E todas as outras variantes.
Logo veio o rock’n roll, o twist (até hoje danço; que ritmo!), jovem guarda, hully-gully, guarânias, ciranda. Aí tornei-me adulto jovem e descobri todo o fascínio do cinema, que também produz músicas e ritmos inesquecíveis.
Foi o caso de "All That Jazz" (1979), cuja introdução é marcada pelo ritmo de On Broadway, de George Benson. Ou o show de jazz ritmado em banjo, "I Wanna Be Like You", tocado e dançado pela macacada do King Louie, no filme "Mogli, o Menino Lobo" (1967), de Walt Disney. Uma das melhores expressões do ritmo no jazz é "Beyond the Sea", versão americana de "La Mer", cantada por Bob Darin.
No curso ginasial, tivemos aulas de música. E fiquei conhecendo os ritmos binário, terciário e quaternário. Acho que foi a partir daí que eu passei a prestar maior atenção a ritmos. Muito depois, encontramos uma verdadeira aula prática na canção "I Have a Dream", do grupo Abba. Com nítida inspiração grega, a música em crescendo inicia-se no ritmo binário, evolui para ternário, e encerra-se num belo quaternário.
O xote é um ritmo que ora pode ser binário, ora quaternário. E o compasso é marcado por um... zabumbo! Lulu Santos toca a música "Fullgás", de Marina, em ritmo binário. E o afoxé dá um show marcando o ritmo dessa música. O afoxé também rouba a cena marcando o compasso na música "Na Cadência do Samba", brilhantemente executada por Waldir Calmon e seu conjunto, num ritmo alucinante. Um show! Aliás, essa canção, também conhecida por "Que Bonito É", é a maior expressão da associação da música com o futebol, no Brasil. Ao ouvi-la você tem a impressão que está vendo os dribles de Garrincha (Botafogo) e Pelé (Santos) jogando no Maracanã. Isso porque ela era o fundo musical do noticiário de futebol, no Cine-jornal Canal 100, de Carlinhos Niemeyer.
Ao final da juventude, assistimos ao filme "Zorba, o Grego" (1964), com sua música contagiante num ritmo crescendo, e a bonita dança, o sirtaki. Muitos anos depois, garimpando na internet reencontrei-a no Festival da Cultura Grega, no Canadá. Um show de música e dança sincronizada em plena rua da cidade de Otawa! Fez lembrar o ritmo elástico das cirandas da praia do Janga, de Olinda. A dança tem seu compasso marcado pelo som de um tarol.
Como podem ver, muitas músicas boas nós ouvimos ao longo da vida. Mas o que é comum entre elas é o ritmo. Posso citar a sempre a belíssima "Ave Maria", de Gounod, executada por Jorge Aragão em ritmo de samba. Linda! Emocionante! E "Dinorah", de e por Ivan Lins, tocada junto com o guitarrista norteamericano Lee Ritenour.
As músicas "Descobridor dos Sete Mares", com Lulu Santos, e "Assim Caminha a Humanidade" formam a melhor seqüencia para exercícios de alto-impacto, pelo ritmo em que são tocadas. Só nunca entendi o que Tim Maia quis dizer com “os recifes LÁ DE CIMA". No filme "Somente Você e Eu" (Just You and Me, Kid!, 1979), George Burns acorda sob aplausos artificiais e dá um show, performando ao som de "Tea for Two". É inebriante, de tanta ternura!
Vivo com o rádio ligado. Em casa, especialmente na Cabo Branco FM. E no carro, onde sempre recorro ao inseparável aplicativo shazzam, quando quero identificar uma música ou seu cantor. Desta forma tenho permitido deleitar-me com muitas músicas, e enriquecer ainda mais o meu acervo musical.
Já disse certa vez que a minha vida tem uma trilha sonora, como os filmes. Pois quase todos os momentos dela podem ser identificados ou foram marcados por uma musica.
Tenho lembrança de músicas desde a minha infância, quando me embalavam à noite, até a vida adulta. Recordo-me bem de muitas músicas, ao longo da vida.
Tenho um grande projeto, que é gravar as músicas que me foram as mais expressivas, ao longo da minha existência. Um dia vou fazê-lo, quando parar de vez a minha atividade profissional.
Mas isto é outra história.