Tocou o celular. Do outro lado uma vozinha afinada me falou, cortesmente. Uma das insinuações das empresas telefônicas, procurando convencer-me a aderir às vantagens da operadora. Disse não, procurei argumentar, num papo por demais desagradável. Não percebi a encruzilhada, a caverna em que me havia metido. A resposta dada pelo aparelho não batia com a pergunta feita por mim à atendente. Havia um desencontro. O zumbido da interlocutora me puxava a espaços nunca dantes explorados. Quis ficar mais tempo, naquela conversa para ver até onde chegaríamos. Mostrei-me desinteressado com a proposta.
Existe, como sabemos, uma disputa entre a concorrência, principalmente causada pelo fantasma do zap habitando o smart. Nestes contextos bicudos, tudo se move para não perder o lugar, manter o padrão e os fregueses. Isto também na tv a cabo, bancos, enfim, até produtos de limpeza, inclusive papel higiênico. Com certa razão: a sobrevivência exige. O desemprego se espraia e os lugares ao sol, pelo menos a manutenção da temperatura média no mercado está honestamente difícil.
Pensava, enquanto a atendente fora consultar planos vantajosos para o cliente aqui relator, deixando no ar aquela musiquinha enfadonha, desalentadora para os ouvidos e a paciência. Nada além, mesclando palavra cruzada, tomando coquetel com o lápis em riste, forma de esquecer a cilada em que me havia metido.
Nada a reclamar, afinal bastaria desligar e deixar a moça falando sozinha. De alguma forma, pagava o tributo em aguardar o retorno da interlocutora. Ela veio de supetão: “o senhor tem mil e tantas horas, direito a usar isto e aquilo sem limites, telefone fixo grátis” e mais que esqueci para não abusar dos que me leem. O que me tornava irritado era a vozinha de muriçoca da funcionária da empresa telefônica. Desconfiei de que não era de ser humano. Basta de suposições (juízo temerário, dizia a catequista, é pecado); encarei, então, o desafio dialogal, a escutar, segundo a segundo, na ligação inoportuna o que deveria fazer para obter a condição de cliente vip. Tecla l, 3, 5 para isso e aquilo.
Havia momentos de silêncio total. A voz falava que aguardasse um instantezinho. Vinham outras dicas para atingir as vantajosas propostas. Foi quando, perdendo as estribeiras, deixei escapar uma pornografia. Mas ela continuou, não repeliu o maltrato; toquei a tecla desligar do meu aparelho. Agora, livre, continuei a me divertir em preencher as palavras cruzadas. Estas me divertiam, me atiçavam a memória, exercício usual para desenvolver o vocabulário.
As palavras cruzadas na conversa telefônica, ao contrário, me deixavam embotado, tenso, irritado. Foi quando, tocou o celular. Quis não ir atender. Fui. Era minha filha. Suspirei aliviado. Constatei a diferença da entonação vocal: era de ser humano, sem aquele zumbido que, há pouco, me fritara a audição. Desconfio de que conversei com um robô. Cai no golpe da propaganda artificial.
Concordam?