Parei e resolvi puxar conversa com ele. Pouco falava: um pária abandonado, sem parente, nem aderente, entregue à vivenda das frondes das árvores, ao ar livre, era, conforme me afirmou, o último da família. Viera de uma cidadela interiorana de Pernambuco, quando o casebre desabou empurrado pela chuva forte. Escapara por milagre – me afirmou com os olhos secos.
As lágrimas presas, mas o sofrimento na contração do rosto amargo. Tinha profissão (serralheiro), mas ninguém na cidade quisera aceitá-lo. Exigiam documentos, prova de idoneidade, folha corrida da polícia, etc. Ele não os tinha; tudo fora na enxurrada. Mas não era somente a falta do dossiê: mostrou-me o maior empecilho. A mão direita, que era principal instrumento de trabalho, imóvel. A queda que sofrera lhe quebrara os dedos, tornara-os entrevados para sempre. E ele ficara impedido de exercer a profissão.
Perdera a mulher e os filhos que ficaram soterrados pela avalanche incontrolável. Fugiu de maiores tragédias. Onde encontrar abrigo condigno? Habitando no vazio, nos locais comuns, públicos. Estava anestesiado pelas perdas, pelo sofrimento, pela profunda frustração. Apenas, o escutei, procurei consolá-lo, participando daquele momento de solidariedade. Pensei em retornar a encontrá-lo, arregimentar pessoas, a fim de prestar-lhe gestos de socorro.
Após alguns dois ou três dias, resolvi aproximar-me, novamente, do vitimado homem. O local onde estivera marcado por uma cruz riscada na areia. Informaram-me que fora levado por desconhecidos. Uns achavam que para um abrigo de alguma instituição de caridade; outros que fora sequestrado ou mesmo preso por vagabundagem. Ainda penso no habitante do vazio.