Eis que amanhece um certo dia parecendo junho. Nuvens escuras enfeitam o céu que o sol tímido teima em aparecer, a terra e as plantas molhadas e a água empoçada pelos desníveis das ruas denunciam o desaguar noturno. Cajus e mangas feitos luzes ornamentam árvores pelos matos e casas, e os jambeiros dão o tom arroxeado ao chão de muitos terreiros e calçadas de moradas. Sinais natalinos de novembros e dezembros por estas terras abaixo do Equador. E feito loop temporal desembarcamos em outros tempos juninos, novembrinos e dezembrinos.
Sem máscara, a chuva traz lembranças do São João que não vivemos, dos natais desbotados. Com a terra e as folhas caídas e úmidas há uma alegria pelo calor atenuado. A aquarela multicolorida ornada pelos cajus, mangas e jambos em amarelos, verdes e roxos pelos galhos das vívidas árvores adocicam o ambiente. Festa de pássaros, sagüis, formigas e outros seres habitantes das matas que resistem e que beiram o Atlântico. Até o travoso gosto do pedúnculo carnoso do caju, ora amarelo, ora vermelho, tão simbólico pelas litorâneas paragens é agradável para a língua, que volta à infância e adolescência e se vê a correr pelas trilhas e picadas nas matas em beijo moleque. O passo rápido ou a correria desatada quando saíam à caça de frutas e aventuras, catando conhecimentos direto da mãe natureza, é pressa dos pequenos com uma vida inteira pela frente.
Os caminhos curtos trilhados descalços rapidamente, inadvertidamente, alheios a qualquer ameaça que surja das estreitas margens formada por mato baixo, capim e troncos, sejam tocos, espinhos e até mesmo animais desavisados. De prêmios topadas, furos na planta dos pequenos pés desprotegidos que com o tempo criam uma espécie de casca, camada protetora natural. Nada incapacitante para não se retornar à cata de cajus, mangas, jambos, ou dos onipresentes cocos e as mais raras oliveiras, goiabas, araçás, jacas e graviolas de temporada.
Da fartura dependura nos galhos e camuflada por entre folhas, as frutas maduras que caem com a força da gravidade criam tapetes em decomposição pelo chão. Não são rejeitos, jamais desperdícios, são adubos para raízes famintas, vitaminas para as próprias árvores, alimentos para outras vidas, ciclos naturais.
E pelos caminhos, infantis gentes e gentis que também crescem e frutificam. Mergulhos em rios, banhos de alma, festa de meninos... Descontrole remoto, localização aonde as pernas de pequenos deuses tupiniquins podem levar e olhos atentos para a colheita do mato. Retornam as fruteiras coloridas de antes e "agoras" na estação do calor. Esticar a mão e colher vida, levá-la a boca e alimentar estômago, olhos, alma.