Fica longe e faz muito tempo. Não me lembro, portanto, quem tenha me animado a pegar o giz e sair garatujando em portas e janelas a alegria do Natal e novo ano.
Nesse tempo havia isso.
As portas eram azuis, portas e janela que olhavam uma para a outra, da casa a capelinha de Nossa Senhora das Vitórias. Não havia muros, reclames nem cartazes, apenas a morada branca empanada de copas e de cedros em que as nuvens se engalhavam.
A vida dos outros, das pessoas que não eram de casa, passava na estrada ao lado.
Menino único, não sei que alegria me fazia subir no tamborete e abrir a giz, na folha de todas as portas, “salve 1942”.
Mas havia outros sinais e inscrições que se associavam à minha animação. Isto sim: o que eu saudava em letras brotavam em flores, gomos e maturis. Para mim aquilo era o ano, a razão do “salve”, convivas que perdiam as folhas em outubro e se engalanavam de todas as flores possíveis para rebentarem em jaca, caju e manga, sempre à chegada do Natal e novo ano. O ano era novo mesmo, doce em bagos e talhadas, ano rosa, ano espada, manteiguinha, doce puro ou acidulado, tão belo e gostoso que se levantavam vozes contra os nossos sentidos, exigindo temperança: “Não coma com os olhos!” Era exatamente com que mais se comia.
Havia realmente um ano novo, um ano que nascia em tudo lá fora antes de entrar em mim.
Que não era uma noção abstrata de tempo ou de folhinhas, mas quem se pendurava, gordo e pesado, de todos os galhos e resinas da minha circunstância.
Ano de uma felicidade que se comunicava da gente para as árvores, dos sentidos para os frutos, da comunhão para as espécies comungadas.
O grande Austúrias viveu esse mesmo encantamento, mais poético, mais universal, porém de igual sentimento.
“Espírito do céu. Espírito da terra. Dai-nos nossa descendência, nossa posteridade, enquanto houver dias, enquanto houver alvoradas.
Que a germinação se faça!
Que numerosos sejam os verdes caminhos, as verdes sendas que nos dás!”
Que a germinação se faça!
Que numerosos sejam os verdes caminhos, as verdes sendas que nos dás!”
Assim seja.
* Crônica publicada há 27 anos (1993), sobre o Natal de 1942, quando o autor tinha 9 anos de idade