Se bem o entendi, o ato de caminhar tem alguma coisa de ridículo que não combina com a nossa espécie, aparelhada mais para a reflexão do que para o movimento de braços e pernas. Em vez de concentrar, essa agitação distrai o espírito. É como se, andando, o homem abdicasse um pouco da sua nobreza e tendesse a nivelar-se aos animais, que não se dedicam ao nobre ofício de pensar.
Não vou discutir o ponto de vista desse amigo, mas o certo é que hoje a maioria pensa diferente. Por desfastio ou remorso, engrossa a fileira dos que, pela manhã ou à tardinha, invadem as calçadas e pistas da cidade num desfilar incessante e feérico. De tanto observar essa gente, na sua variedade de forma e estilo, deu até para esboçar uma tipologia.
Há os que caminham com empenho e aplicação, animados de um senso ginástico que certamente lhes foi incutido por um instrutor ou mesmo por um cardiologista. Esses andam rápido, sem olhar para os lados, movimentando largamente as pernas e os braços a fim de estimular os batimentos do coração. Não estão ali pela paisagem, nem para ver os outros, mas por um rigoroso compromisso consigo mesmos. E não querem lazer nem poesia – querem saúde. Diante disso, não tente cumprimentá-los; eles não vão lhe dar atenção e talvez até se chateiem, pois a necessidade de responder ao cumprimento pode fazê-los perder o ritmo das passadas.
Há os que estão ali para um relax mental. Esses caminham devagar, maravilhados com a contemplação matutina ou vespertina da natureza. Não pensam em colesterol, ácidos graxos, triglicerídeos, ameaças a um corpo que, para eles, é de somenos importância. O que lhes interessa é pacificar a alma, e para isso a caminhada é só um pretexto. Eles bem podiam sentar na areia da praia e contemplar a ponta do Cabo Branco, que o efeito era o mesmo.
Existem os que não caminham sós, mas em grupos ruidosos, e veem a marcha como uma ocasião para encontrar os amigos e saber as novidades. Alheios ao corpo, à natureza, a qualquer forma de contemplação, andam no ritmo imprimido pela turma. A caminhada só ocorre se pelo menos sessenta por cento do grupo vai, do contrário os outros desistem. O interessante, afinal, não é andar por andar e sim curtir a confraternização ambulante. Eles não têm espírito esportivo; praticam uma espécie de boemia politicamente correta, por isso fazem questão de deixar as mulheres em casa.
Há também os que caminham para se exibir. Esses capricham na indumentária, que é adequada ao exercício e está rigorosamente na moda. Embora desinteressados dos efeitos da caminhada sobre a saúde, primam por andar com agilidade e elegância para dar aos que os observam — e devem ser tantos! — uma impressão de perene juventude. O que interessa, afinal de contas, é a imagem.
Tem ainda os que caminham por recomendação médica, de cara feia, como se andar incomodasse mais do que o enfarte iminente; os que andam levantando os braços e esticando os dedos, num arremedo de esforço físico, ao mesmo tempo que sorvem com uma espécie de êxtase o oxigênio; e os que caminham como peixes fora d’água, de calça, camisa e sapatos – como se tivessem ido apenas contemplar o cenário e de repente fossem contagiados pelo trote.
Enfim, caminha-se de todo jeito. Com a ajuda da ciência, o homem moderno descobriu que, parado, a morte pode alcançá-lo mais depressa.