Minha mãe nasceu em Itabuna, Bahia. E desde então a Bahia faz parte da minha vida. Daquela cidade cacaueira saiu a belíssima e exótica Miss Brasil 1962, Maria Olívia Rebouças, prima minha.
Conheci-a anos depois do concurso, ainda no tempo em que as misses faziam sucesso entre as meninas, crianças e adolescentes.
A primeira vez que visitei Salvador foi nos meus 15 anos. A Pituba, o Mercado Modelo, a Lagoa do Abaeté, Itapuã, dendê e acarajé. Ainda no mesmo ano, houve a excursão do ginásio e as meninas das Lourdinas botaram pra quebrar! Numa outra viagem, fui à ilha de Itaparica e conheci Mar Grande. Assisti a uma luta de capoeira no Pelourinho. Visitei a Praia do Forte. Vi as tartarugas marinhas. Estive em Arembepe e imergi na memória dos hippies.
A vida toda cantei “Minha jangada vai partir pro mar...” (Caymmi) e “O Tabuleiro da Baiana” (Ari Barroso). Mas foi com os tropicalistas Caetano, Gil, Bethânia e Gal que meu amor baiano tomou corpo. A trilha de uma vida inteira. Embriaguei-me com o cravo e a canela das obras de Jorge Amado e agora fui tomada pela beleza do livro "Carybé e Verger - Gente da Bahia", retratando o cotidiano desse povo e dessa cultura tão próximas e tão distantes de nós. Que traço! Que instantes! Que movimento!
Fui de novo matar as saudades das terras baianas em um feriado de Iemanjá! Já na chegada, aquele bambuzal de filme francês! O Mercado, os berimbaus, Oloduns, tererês, casarios e muros de azulejos portugueses sujos e invadidos pelas heras do tempo. O elevador Lacerda nos transporta da cidade baixa para a cidade alta, de onde se avista a Baia de Todos os Santos, com os seus navios ao longe... Alcançamos o Terreiro de Jesus, cheio de atabaques e pessoas vestidas de vermelho para a festa de Santa Bárbara. Um acarajé, por favor! Um sentimento africano me tomou de susto. E nunca fui à África. Os casarios do Pelô e o cheiro de dendê com maresia me transportavam para o além mar. Aprendi com Mia Couto que, em África, a representação da cultura não se limita aos estereótipos.
Toda sexta-feira é dia de comida baiana! Por entre os andares de todos os lugares, esse perfume forte me leva às panelas, me invade os poros, aguçando minha fome, sede e quereres. Vatapá, pois!
Visitar a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai no bairro do Rio Vermelho é uma experiência sensorial, lúdica, e transcendental. Uma casa que é palco de cultura, amizade, amor, resistência, arte e baianidade. A bela construção abriga um quintal repleto de jaqueiras e orquídeas; pisos de retalhos de azulejos; objetos de cultura popular daqui e de alhures; amigos dos 4 cantos do mundo; vídeos de nomes famosos da arte brasileira; depoimentos; um gazebo com peças dos orixás; uma lojinha com os dizeres "Se for da paz, entre!"; uma sereia no teto; cadernos, camisas, gravatas; uma máquina de escrever; um teto todo feito de cestos; e Adelaide (do Trapiche) dando receitas afrodisíacas também!. Uma casa brasileira em todos os sentidos! Um lugar de quem viveu, amou, criou, viajou e foi feliz. A experiência foi concluída com a descida da rua, a pé, por entre árvores frondosas e casas com portões floridos, tendo como destino o almoço de bobó de camarão na Casa de Teresa!
A tarde de sábado foi reservada ao Solar do Unhão, com sua vista para os mares da Bahia. No mesmo dia, o Museu de Arte Moderna, uma escada de Lina Bo Bardi, uma janela, um flamboyant, um caminho e, finalmente, o por do sol, ao mar, ouvindo show de JamJazz.
Tanto para ver e fazer! Almoço no Amado – amei! Prece na Igreja do Bonfim! Sorvete de graviola aos pedaços na Ribeira; passeio na calçada restaurada, contornando a praia/rio por entre esse povo que rebola, que canta, que festeja e que estreia, como diz a lenda! E ainda tinha um farol no Humaitá, com mais por do sol, mais berimbaus e mais gente que, em silêncio, contemplava o infinito e uma mancha amarela, ou o sol, como dizia Picasso.
No tabuleiro da baiana tem Vatapá, oi Caruru Mungunzá Tem umbu Pra ioiô Se eu pedir você me dá O seu coração Seu amor de iaiá No coração da baiana tem Sedução Canjerê Ilusão Candomblé Pra você
Enquanto rodava a cidade, deparava-me com nomes tão conhecidos, que para mim só existiam nas músicas de Caetano: Chame Chame, Federação, Dique do Tororó, Beleza Pura! Sou tomada pelas cantigas da infância, pelo trio, pelo carnaval e pelo Menino do Rio!
Minha sobrinha Hanna, que nos acompanhou nesta viagem, queria por que queria saber qual o seu santo. E por mais que a minha ignorância do sincretismo explicasse que a resposta só com Mãe Menininha, ela insistia em Iansã, Iemanjá... Toca o Olodum!
Com a imagem da deusa do mar, despedi-me da Bahia, molhando os pés nas águas frias da praia da Barra. Como não lembrar de Virginia Woolf e "Rumo ao Farol", com aquele monumento icônico das terras dos Doces Bárbaros, iluminando o meu último por do sol? Ao meu amor... cantei! Mar Adentro!
Não fiquei triste e a música me invadiu a alma: Triste Bahia, o quão dessemelhante é! Salve Gregório de Matos, Salve Caetano! Salve minha mãe baiana! Salve Ana Cristina (que nos recebeu)! Salve minha cunhada Beta & Eduardo! Salve Claude e Hanna (companheiras de viagem)! Salve Salve Iemanjá! Salve a Bahia, que aqui é um dos meus lugares!
A Bahia já me deu régua e compasso! Aquele Abraço!