Foi lendo a crônica do amigo Tarcísio Pereira que revi alguns costumes de um tempo remoto, quando se fantasiavam os modismos efêmeros e suas elucubrações com ídolos de todos os segmentos artísticos, principalmente os do cinema.
Viajei nela quando me lembrei da veneração que se tinha por artistas e celebridades durante a nossa adolescência. Naquele tempo, foi a Bruna Lombardi a minha primeira predileção, logo após a sua estreia na literatura com o livro de poesia “No ritmo dessa festa”.
Eram fortes esses focos refletivos, (lembrava atos de entorpecimentos), porém, limítrofes. Comparo-os hoje com as antigas iluminações públicas a gás. Luzes eram acesas ao cair da tardinha, mas logo quando amanhecia o dia, eram apagadas manualmente, uma por uma.
Depois veio a Marisa Raja Gabaglia, que foi também meu foco de admiração. Cheguei a escrever-lhe algumas cartas referindo-me ao seu livro “O Meu Amor Bandido”, que escrevera no auge de sua carreira jornalística. Depois o Thiago de Mello, o poeta amazonense de Barreirinhas, o qual conheci pessoalmente; João Cabral, com o qual conversei algumas vezes por telefone, momento em que achei esquisito quando ele me disse que não era nada de poeta, e sim um fazedor de poesia; a Cleide Veronesi que se tornou mais que uma amiga, uma irmã; Drummond que, atenciosamente, respondeu-me a duas cartas, aconselhando-me, incentivando-me e ainda me disse generosamente que os meus poemas tiveram nele um leitor cheio de interesse. Para mim, bastou-me a tal generosidade. João Lyra Filho, paraibano da ABL, comoveu-me quando li suas atenciosas palavras sobre meus primeiros rebentos.
E assim me liguei aos fatos. A história que o amigo Tarcísio contou no decorrer de sua crônica, aludindo aos astros do cinema, estampas colados nas paredes do quarto de sua casa, tem o mesmo gênero dessas afeições de festim, ávidas e tomadas de evaporantes admirações pelos artistas famosos da fase memorável da euforia.
O seu texto resgata tudo isso! É memória viva das coisas de antanho. Apesar de hoje não existir mais, pelo menos, ainda se repete na configuração das cenas inolvidáveis. É ato puro, cristalino, sentimento diáfano de adolescente à moda antiga. Enfim, era um tipo assim de exaltação que se desprendia casta, juvenil, crescia e ia passando para os outros, a exemplo de suas duas irmãs, refletindo-se – de certa forma - nas fotos de revistas dos heróis artistas, com as quais ficavam fazendo fita na parede cinematográfica do cenário de seu quarto.
Nada em vão! Se agora nada se perdeu, é porque algo ficou infinitamente colado no sensório. Nada se perde, nem sequer uma só fagulha quando imagens atávicas puramente inofensivas, ainda estão a povoar o nosso universo. O mau é olhar pelo espelho retrovisor apenas as imagens mortas. Por isto, as coisas valem, e valem muito a pena quando algo se estende, viaja, para nas estações de hoje e invade as linhas da contemporaneidade, advindas de longínquos lugares.
Esta é a razão sensível do Trem Bala nos trazer emoções diminuindo as suas distâncias. É que nos lembramos dela, da Maria Fumaça, de sua velocidade sonolenta, esse trem que estacionou nas nossas incríveis épocas e que ainda anda rangendo nos nossos trilhos. Ela ainda apita e tem a sua preponderância vivaz, um tipo assim de força gigante, imponente, misturada com submissa ternura e o cheiro ativo de óleo que exalava de suas ferragens pretas, tudo dentro do nosso pleno estado de consciência, do nosso memorável coração viajante.
Certa vez, João de Barros – o Braguinha – numa entrevista, recordando o Carnaval (que hoje já sofreu significativas mutações), resumiu todo o seu mundo: “O meu Carnaval sou eu”. Parodiando-o, eu diria: nossas vidas somos nós mesmos e os nossos sonhos estampados na lembrança; são as nossas poucas ou muitas ilusões que já se passaram, mas estão coladas no interior dessa locomotiva, essa que nos conduz levemente pelas nossas estações.