Foi lendo a crônica do amigo Tarcísio Pereira que revi alguns costumes de um tempo remoto, quando se fantasiavam os modismos efêmeros e s...

Estampas na parede

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana saulo mendonca marques tarcisio pereira tietagem saudosismo fa clube cinema lembrancas memoria cinema evocacao nostalgica
Foi lendo a crônica do amigo Tarcísio Pereira que revi alguns costumes de um tempo remoto, quando se fantasiavam os modismos efêmeros e suas elucubrações com ídolos de todos os segmentos artísticos, principalmente os do cinema.

Viajei nela quando me lembrei da veneração que se tinha por artistas e celebridades durante a nossa adolescência. Naquele tempo, foi a Bruna Lombardi a minha primeira predileção, logo após a sua estreia na literatura com o livro de poesia “No ritmo dessa festa”.   

Eram fortes esses focos refletivos, (lembrava atos de entorpecimentos), porém, limítrofes. Comparo-os hoje com as antigas iluminações públicas a gás. Luzes eram acesas ao cair da tardinha, mas logo quando amanhecia o dia, eram apagadas manualmente, uma por uma.   

Depois veio a Marisa Raja Gabaglia, que foi também meu foco de admiração. Cheguei a escrever-lhe algumas cartas referindo-me ao seu livro “O Meu Amor Bandido”, que escrevera no auge de sua carreira jornalística. Depois o Thiago de Mello, o poeta amazonense de Barreirinhas, o qual conheci pessoalmente; João Cabral, com o qual conversei algumas vezes por telefone, momento em que achei esquisito quando ele me disse que não era nada de poeta, e sim um fazedor de poesia; a Cleide Veronesi que se tornou mais que uma amiga, uma irmã; Drummond que, atenciosamente, respondeu-me a duas cartas, aconselhando-me, incentivando-me e ainda me disse generosamente que os meus poemas tiveram nele um leitor cheio de interesse. Para mim, bastou-me a tal generosidade. João Lyra Filho, paraibano da ABL, comoveu-me quando li suas atenciosas palavras sobre meus primeiros rebentos.   

E assim me liguei aos fatos. A história que o amigo Tarcísio contou no decorrer de sua crônica, aludindo aos astros do cinema, estampas colados nas paredes do quarto de sua casa, tem o mesmo gênero dessas afeições de festim, ávidas e tomadas de evaporantes admirações pelos artistas famosos da fase memorável da euforia.   

O seu texto resgata tudo isso! É memória viva das coisas de antanho. Apesar de hoje não existir mais, pelo menos, ainda se repete na configuração das cenas inolvidáveis. É ato puro, cristalino, sentimento diáfano de adolescente à moda antiga. Enfim, era um tipo assim de exaltação que se desprendia casta, juvenil, crescia e ia passando para os outros, a exemplo de suas duas irmãs, refletindo-se – de certa forma - nas fotos de revistas dos heróis artistas, com as quais ficavam fazendo fita na parede cinematográfica do cenário de seu quarto.   

Nada em vão! Se agora nada se perdeu, é porque algo ficou infinitamente colado no sensório. Nada se perde, nem sequer uma só fagulha quando imagens atávicas puramente inofensivas, ainda estão a povoar o nosso universo. O mau é olhar pelo espelho retrovisor apenas as imagens mortas. Por isto, as coisas valem, e valem muito a pena quando algo se estende, viaja, para nas estações de hoje e invade as linhas da contemporaneidade, advindas de longínquos lugares.   

Esta é a razão sensível do Trem Bala nos trazer emoções diminuindo as suas distâncias. É que nos lembramos dela, da Maria Fumaça, de sua velocidade sonolenta, esse trem que estacionou nas nossas incríveis épocas e que ainda anda rangendo nos nossos trilhos. Ela ainda apita e tem a sua preponderância vivaz, um tipo assim de força gigante, imponente, misturada com submissa ternura e o cheiro ativo de óleo que exalava de suas ferragens pretas, tudo dentro do nosso pleno estado de consciência, do nosso memorável coração viajante.

Certa vez, João de Barros – o Braguinha – numa entrevista, recordando o Carnaval (que hoje já sofreu significativas mutações), resumiu todo o seu mundo: “O meu Carnaval sou eu”. Parodiando-o, eu diria: nossas vidas somos nós mesmos e os nossos sonhos estampados na lembrança; são as nossas poucas ou muitas ilusões que já se passaram, mas estão coladas no interior dessa locomotiva, essa que nos conduz levemente pelas nossas estações.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Memórias permanecem viva quando guardamos no coração. A vida é uma estação, vai passando e nós vamos guardando o que nos fez bem, nossos ídolos, amores, sonhos...de "estampas na parede" para estampa na memória.
    Leitura muito boa. Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A sensibilidade desse meu poeta, toca profundamente no nosso mais sensível:o "interior". Parabéns, por tantas estampas.

      Excluir
  2. Excelente texto...
    Parabéns Saulo Mendonça!!!
    É isso ai... armazenando memórias!
    Paulo Roberto Rocha

    ResponderExcluir
  3. Como gosto de ler seus textos!Eles misturam as lembranças e fica difícil sair delas.Beleza poeta!!!

    ResponderExcluir
  4. Agradeço fe coração a todos que tiveram a atenção de ler e comentar aqui este meu texto, o qual dedico a todos que têm na memória uma vida estampada pra viver e viajar. Um grande abraço.

    ResponderExcluir

  5. A sensibilidade desse meu poeta, toca profundamente no nosso mais sensível:
    o "interior". Parabéns, por tantas estampas.

    ResponderExcluir
  6. Hoje esse texto, além de uma saudade, trouxe-me uma paz. Uma energia mergulhada no silêncio mergulhado nas palavras desse poeta que cultiva os dias, incansasavelmente com a poesia de quem vive e nos alimenta. Ânima de vida. Um brinde a todos nós.

    ResponderExcluir

leia também