Esperei que levantassem as portas do mercado, aqui na Torre, e saí atrás da macaxeira e do inhame. Do cará, que é mais em conta e cozinha melhor
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A mulherzinha, perdão, a senhora de quem sou fiel freguês, miúda de corpo e muito ativa, dava os últimos arranjos nas pilhas de sua revenda. Em seus 50 anos, ou mais, se a saia fosse azul e a blusa branca, o tempo a enquadraria saindo das Lourdinas ou das Neves. Até de meia branca estava. Reparava nisso, após fazer meu pedido, quando ouço alguém do outro lado, por cima do abacaxi, a gritar furioso: “Precisava disso, precisava?” Perguntava e rodava a pergunta para o corredor inteiro.
- De eleição, seu Luiz, de eleição. Dessa vez ninguém tá morrendo por descuido. Foi obrigado a sair pra morrer na fila, e está aí o tamanho do vermelho. E voltando a meu pedido: “O senhor quer na casca ou gelada?”. Falava da macaxeira.
- A que a senhora achar melhor. Não esqueça do cará.
Eu estava sendo o primeiro e único freguês do horário. Ninguém que me obrigasse a ajeitar a máscara ou a medir distância. Mas não me vi de todo livre. Freguês do tempo em que ali era uma rua de casinhas, sem mangar uma da outra; em que a grande referência era a venda de João Freire e o Cinema Torre, a voz de Paulo Rosendo abrindo e fechando a difusora. Decorridos tantos anos, ainda hoje não estou livre de ser abordado. Quando não é por avô, é por filho, neto. O freguês que acusava o fonético ministro presidente do TSE pela aglomeração forçada das urnas pareceu-me da parte branca dos Tróccolli. Sim, porque há os cobreados.
Vi passar Manuel na outra calçada, exatamente onde começou com seu supermercado, egresso do Mercado Central, ele e os quatro irmãos, depois divididos cada qual com seu negócio. E vejo Manuel, hoje, mais um nome, uma referência, do que a empresa que o sucessor agigantou.
Agora, de sacola na mão, puxo do bolso, sem fazer conta, uma nota amarelona de 20 reais, da cor do ovo de 1954.
- Tá faltando R$ 3,70, seu Luiz. Descuidei-me, imaginei que 20 reais fossem dinheiro, e macaxeira e cará comidas de pobre. Imaginei em voz alta:
- É não, seu Luiz. Pobre hoje come macarrão. Come cará e macaxeira quando planta. Aqui é pão, macarrão e cuscuz, para ser feliz.