A pretexto do Natal de luzes falsas, mais de venda que de louvor, sem que se apresente em tempo o ouro dos paus d’arco nem o fervor amoroso dos abraços (comentávamos isso), José Octávio de Arruda Melo telefona para acrescentar o luto dos visionários com a morte de Balduíno Lélis.
Conheci Balduíno no campo de futebol do Ginásio Pio XI de Campina. Foi no ano que findou a Guerra, tombou o retrato do baixinho da faixa verde-amarela passada nos peitos, Félix Araújo chega herói entre aplausos e lenços brancos aos pracinhas da Paraíba e Luiz Lua Gonzaga anunciava na varanda do Edifício Esial a entrada do baião: “Eu vou mostrar pra vocês / como se dança um baião.”
Acontecia na Praça da Bandeira, e maior que fosse a multidão, eu não me apartava de João Loureiro, Babá de doutor Cruz, Otávio Isidro e Balduíno, escudeiros de qualquer molenga como eu. No campinho do Pio XI Badu só perdia para Cabralzinho, um galego de Alagoinha que, ao surgir Garrincha, eu só me lembrava dele. Era só a quem Balduino respeitava. Gleryston Lucena sabe disso tudo.
Vem a vida, essa variação sem fim, inconsequente, e fui me enturmando em outros pagos e a novos valores, até que lá vem Balduíno, reaparecendo pelas Trincheiras, de parceria com Linduarte ladeando a conversa com o velho Leon Clerot. Esse velho, que não tem estátua, precursor e primeiro cuidador do que poderia ter sido, desde o governo de José Américo, o Museu da Paraíba. Numa casa velha das Trincheiras, bem depois da João Machado, até fósseis tinha. Peças ditas antropológicas, coisas históricas ou alguidares, moedas, santos, e o retrato de uma condessa da Paraíba. Balduíno nesse meio. Ele, que eu deixara em Campina aprendendo jiu-jítsu e ensinando a atirar, a puxar e rodar o simituesse do jeito que Chico Maria descreve em crônica sobre o Capitólio. Até o chapéu de caubói usava. Ele na sua trilha e eu na minha: Oi, Badu, oi, Gonzaga. Depois, como eu tossia muito, apareceu no jornal me levando um vidro de Bromocaliptus, fórmula de seu fabrico.
Entro no hall da sede central do Cabo Branco e surpreendo Balduino Leles a explicar a teoria do xeroifilismo a Mário Moacyr Porto, Antonio Dias dos Santos, Haroldo Borges, Boto de Menezes, sem qualquer reparo de Celso Mariz, que fazia parte da roda.
Esse homem dos sete instrumentos exilara-se de qualquer outro interesse, sobretudo os pessoais, para se afervorar sozinho com as grandezas da Paraíba. Foi soldado sem fita falando a generais sobre o patrimônio histórico, material e imaterial de toda uma região que ele nucleou em Taperoá. Taperoá era o centro, onde terminou montando uma Universidade Popular. De onde vinha o dinheiro? Não era do governo nem do tráfico de drogas.
Foi levado a sério, muito a sério, por João Agripino, que deve ter ouvido dele, Balduíno, a defesa natural da orla, hoje um bem público e histórico que, no conjunto do país, faz a diferença.
A Pedra de Ingá, cujos estudos de cientistas e instituições não fazem uma menção, a mais simples, ao esforço do seu grande propagandista e batalhador. Sabia das coisas, desde as de museu às da natureza. Chamado por Dorgival a dirigir o Arruda Câmara, lembrou-se que macaco não sabia nadar. E tirou-os da jaula para a liberdade das árvores, cercando-as de água por todos os lados. Eram as ilhas da liberdade.