Aristóteles foi um dos primeiros a destacar o poder curativo das palavras. Através delas, é possível liberar tensões mentais. O próprio processo de verbalização já constitui um alívio, pois muitas vezes sofremos por não conseguir expressar o que nos atormenta. E quando, falando ou escrevendo, atinamos com o motivo da angústia, às vezes percebemos que ele não é tão grave assim. Não justificava tanto sofrimento.
O estagirita ressaltou a função catártica do verbo. A catarse, termo que ele tomou emprestado à Medicina, decorria do temor e da comiseração que o espectador experimentava ao assistir a uma encenação trágica. Era, como ele chamou, o efeito moral da tragédia. Vendo por exemplo o sofrimento de Édipo, que foi levado pelo destino a matar o pai, o espectador se horrorizava e, ao mesmo tempo, tinha piedade do rei tebano. Obtinha com isso um alívio para seus próprios infortúnios. Cito a tragédia de Sófocles porque nela se representa um padecimento universal. Édipo, conforme luminosamente percebeu Freud, é todo o mundo.
Da tragédia para o que se chama literatura de autoajuda, transcorreram vinte e poucos séculos. Se há alguma coisa de comum entre ambas, é o apelo ao poder que as palavras têm de curar. No mais, distinguem-se tanto quanto um bom suco, feito com fruta natural, se distingue de um refresco industrializado. Na tragédia há personagens que se defrontam com situações-limite e expõem o que há em si de demoníaco e divino. Encurralados pela Falta que cometeram, eles sabem que não lhes resta outra saída a não ser a morte ou a loucura.
Na autoajuda fala-se do indivíduo comum, incapaz de outro heroísmo senão o de sobreviver numa sociedade violenta e desigual como a nossa. Nela os temores são banais e cotidianos, ligados à expectativa de ser assaltado, adoecer, ficar pobre. Sobretudo ficar pobre e ser exilado do paraíso do consumo. E são tantos os frutos a tentar esse Adão moderno! Não apenas a maçã, mas todo um pomar. O paraíso tem até sua serpente, que se chama promoção. Eva é que continua a mesma da versão bíblica.
No caso da tragédia, procede-se a uma dolorosa sangria; no da autoajuda, ministra-se um placebo. Mas em ambos ocorre a intermediação da palavra, que faz uma espécie de ponte entre nossos temores inconscientes e o Logos redentor. Escolhe-se a tragédia ou a autoajuda de acordo com o que se pode suportar, vale dizer, com a coragem de cada um para enfrentar a verdade. Tem gente que se contenta com placebos, e deles hoje o mercado anda cheio.
Sei que há sempre um risco em falar sobre os livros de autoajuda, pois geralmente quem os critica não os lê. O problema é que quem os lê não os critica. Ficam então essas obras numa espécie de limbo, a depender do juízo ressentido dos intelectuais ou da empolgação ingênua dos fanáticos. Tento opinar sem ressentimento, à luz do que pude aprender sobre o ser humano em criações como a tragédia grega.
Segundo os aficionados, há na literatura de autoajuda sabedoria suficiente para garantir confiança nesta vida e esperança na outra (e ninguém precisa de mais do que isso para trabalhar em paz e ganhar o seu dinheiro, que é enfim o que conta). Para que perder tempo com grandes indagações sobre o sentido da existência? Para que cultivar dúvidas sobre o Universo ou a natureza da verdade? Dúvidas não saldam dívidas, e todos precisamos estar com a cabeça fria para bolar estratégias que nos livrem do cheque especial, dos agiotas, das financeiras... Que venham então esses compêndios de narcóticas obviedades.