Para vivir un año es necesario morirse muchas veces mucho. Ángel González Alguns poetas são atletas do abismo. Espreitam, com seu...

Ángel González: palavra sobre palavra

ambiente de leitura carlos romero ensaio jorge elias neto academia letras espirito santo literatura espanha angel gonzalez asturias poesia ditadura franco guerra civil tuberculose antonio machado
Para vivir un año es necesario morirse muchas veces mucho.

Ángel González

Alguns poetas são atletas do abismo. Espreitam, com seu olhar irrequieto e sensível, o entardecer por detrás da História. Debulham o seu passado – o nosso passado – e nos ofertam um ladrilho de palavras. Esses mesmos poetas se especializam, tornam-se alpinistas do nada e penduram-se no portal do tempo. Sabem-se clandestinos, insignificantes e fadados ao esquecimento.

Angel González (1925-2008), notável poeta espanhol, faz parte desse seleto grupo.

Um dos principais poetas espanhóis da Geração dos 50, por muitos considerado o maior poeta espanhol do século XX, González é pouco conhecido em nosso meio.

Entre seus livros mais importantes figuram "Áspero mundo", "Sin esperanza, con convencimiento" e "Grado Elemental".

Vejamos o que Luis Isquierdo escreveu na introdução da última antologia publicada por González:

O dom do poeta é a denúncia do negativo que perpassa a vida: a belicosidade que não cessa, a dependência de imposições, o medo disseminado das condutas. Sem renunciar à beleza, os versos tem que tratar também de nossos erros e fracassos. A beleza resiste, e tem seus momentos. Entretanto tem-se que ter conhecimento de sua raridade.1

Não há leitura inocente para uma poética desmascaradora do que se pretende fácil e espontâneo na vida. No orbe poético de Angel González, a presença da beleza se afirma pela atenção precisa do autor a tudo o que a dificulta. E a exigência de não renunciar a ela, que é recordá-la, implica no dom de fazê-la tão viva quanto excepcional 1. O que se manifesta, em rigor, é uma consciência desenganada.

Para entendermos um pouco de sua obra, é imprescindível reconhecer a profunda influência da Guerra Civil Espanhola sobre sua infância. Observação que também se aplica aos principais poetas da Geração dos 50. Ao contrário da geração que os antecedeu, esses poetas realizaram uma poesia dita social, mais combativa, ambígua, rica em ironia, desilusão e crítica ao entorno político-social. Essa característica é bem evidente em seu livro de estréia "Áspero Mundo" (1956).

Posteriormente, González se distanciou da poesia social, passando inclusive a criticá-la em alguns de seus aspectos fundamentais.  De qualquer forma, reconheceu que um certo mundo perdido existente em sua poesia, era, no fundo, a Guerra Civil e a perda da causa que representava a República Espanhola 2. Como disse o autor:

Sin salir de la infancia, en muy pocos años, me convertí, de súbdito de un rey, un ciudadano de una república y, finalmente, un objeto de una tiranía.

Outro episódio que marcou a escrita de González foi ter adquirido tuberculose. O tratamento desta patologia obrigou-o a um longo retiro em Páramo Del Sil, onde teve oportunidade de se aproximar mais da poesia e iniciar, de forma mais sistemática, sua produção poética.

Suas primeiras experiências poéticas foram como autodidata. Segundo o poeta, a ditadura espanhola impossibilitava o livre acesso à literatura.

Juan Ramon Gimenez, grande poeta espanhol do começo do século XX, ganhador do prêmio Nobel de literatura, foi a primeira e fundamental referência para o jovem poeta. Também os existencialistas, sobretudo Sartre e Camus, povoavam, desde cedo, o inconsciente de González.

Mais tardiamente se interessou pela obra de Antonio Machado, considerado por ele o poeta do inefável, e pela poesia vanguardista do peruano César Vallejo. Refere-se a Vallejo como sendo o responsável por um de seus maiores deslumbramentos que ocasionaram mudanças definitivas em sua obra.

Por outro lado, Ángel González tornou-se uma referência indiscutível para os poetas que, no final da década de oitenta, iniciaram uma polêmica e definitiva mudança na poesia espanhola denominada Poesía de la experiencia. Declarou o poeta: chega um momento que, inevitavelmente, o poema há de ser necessário para quem o escreve, se se deseja que depois seja legítimo para quem o lê 4.

Graduado em direito e jornalismo, fugiu da ditadura franquista em 1972 e passou a lecionar literatura espanhola contemporânea em várias universidades norteamericanas.


Sabias palabras
Fragmento do discurso de agradecimento pelo importante Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras 5

[...] Falo também como escritor, já que na qualidade de tal estou aqui. Gostaria de falar como poeta, porém não poderia fazê-lo sem contradizer-me gravemente, pois sempre sustentei que os poetas não existem, salvo na leitura. Se falasse como poeta os falaria, em minha opinião, à partir do nada. O poeta Ángel González estará nos livros como uma possibilidade, como uma proposta ao leitor que será quem, em última análise, decidirá sobre sua existência ou sua inanidade. Aqui está, tão somente, o homem que há tramado as palavras que dão vida ao poeta, palavras insuficientes em sí mesmas, que não teriam sentido sem o concurso dos outros. E essa é uma das grandes lições que, em meu modo de ver, se desprendem da poesia. Porque nossa forma de ser, o que efetivamente somos, depende dos outros mais do que habitualmente pensamos. Ninguém, e isso é muito evidente no caso dos poetas, pode existir sem os demais. Não se esqueçam nunca.

É certo que o poeta, o grande poeta lírico, mobiliza impulsos que o homem encontra no centro de sua intimidade ou de sua experiência. Porém, essas reações anímicas e sentimentais, por mais pessoais que pareçam, não podem ser únicas e intransferíveis. Se não faz vibrar por simpatia o coração dos outros, se não ressoam e se atualizam em sensibilidades alheias, o poeta haverá nascido morto.  Não para o que ele diz, mas pelo que ele realmente faz, o ato poético é, em essência, eminentemente solidário.

Para que yo me llame Ángel González
Para que yo me llame Angel González, para que mi ser pese sobre el suelo, fue necesario um ancho espacio y um largo tiempo: hombres de todo mar y toda tierra, fértiles vientres de mujer, y cuerpos y más cuerpos, fundiéndose incesantes em outro cuerpo nuevo. Solstícios y equinoccios alumbraron com su cambiante luz, su vario cielo, el viaje milenario de mi carne trepando por los siglos y los huesos. De su pasaje lento y doloroso de su huida hasta el fin, sobreviviendo naufrágios, aferrándose al último suspiro de los muertos, yo no soy más que el resultado, el fruto, Lo que queda, podrido, entre los restos; esto que veis aqui, tan sólo esto: um escombro tenaz, que se resiste a su ruína, que lucha contra el viento, que avanza por caminos que no llevan a ningún sítio. El êxito de todos los fracasos. La enloquecida fuerza del desaliento ...
Para que eu me chame Ángel González
Para que eu me chame Angel González, para que meu ser pese sobre o solo, foi necessário um amplo espaço e um largo tempo: homens de todo o mar e toda terra, férteis ventres de mulheres, e corpos e mais corpos, fundindo-se incessantes em um novo corpo. Solstícios e equinócios deslumbraram com sua luz oscilante, seus múltiplos céus, a viagem milenar de minha carne vencendo os séculos e os ossos. De sua passagem lenta e dolorosa de sua fuga até o fim, sobrevivendo naufrágios, agarrando-se ao último suspiro dos mortos, eu não sou mais que o resultado, o fruto, o que tombou, podre, entre os restos; este que vês aqui, tão somente este: um escombro tenaz, que resiste a sua ruína, que luta contra o vento, que avança por caminhos que não levam a nenhum lugar. O êxito de todos fracassos. A enloquecida força do desalento ...

Eso no es nada
Si tuviésemos la fuerza suficiente para apretar como es debido um trozo de madera, sólo nos quedaria entre las manos um poco de tierra. Y si tuviésemos más fuerza todavía para presionar com toda la dureza esa tierra, sólo nos quedaría entre lãs manos um poco de agua. Y si fuese posible aún oprimir el agua, ya no nos quedaría entre las manos nada.
Isso não é nada
Se tivéssemos a força suficiente para se comprimir como se deve um tronco de madeira, somente nos restaria entre as mãos um pouco de terra. E se tivéssemos ainda mais força para pressionar com toda intensidade essa terra, somente nos restaria entre as mãos um pouco de água. E se fosse possível alguém comprimir a água, já não nos restaria entre as mãos nada.

Cumpleaños
Yo lo noto: cómo me voy volviendo menos cierto, confuso, disolviéndome en el aire cotidiano, burdo jirón de mí, deshilachado y roto por los puños yo comprendo: he vivido un año más, y eso es muy duro. ¡mover el corazón todos los días casi cien veces por minuto! Para vivir un año es necesario morirse muchas veces mucho.
Aniversários
Eu observo: como vou me tornando incerto, confuso, disolvendo-me no ar cotidiano, grosseiros retalhos de mim, desleixado e maltrapilho. Eu compreendo: vivi um ano mais e isso é muito duro. O coração pulsa todos os dias quase cem vezes por minuto! Para viver um ano é necessário morrer-se muitas vezes.

El derrotado
Atrás quedaron los escombros: humeantes pedazos de tu casa, veranos incendiados, sangre seca sobre la que se ceba -último buitre- el viento. Tú emprendes viaje hacia adelante, hacia el tiempo bien llamado porvenir. Porque ninguna tierra posees, porque ninguna patria es ni será jamás la tuya, porque en ningún país puede arraigar tu corazón deshabitado. Nunca — y es tan sencillo — podrás abrir una cancela y decir, nada más: «buen día, madre». Aunque efectivamente el día sea bueno, haya trigo en las eras y los árboles extiendan hacia ti sus fatigadas ramas, ofreciéndote frutos o sombra para que descanses.
O derrotado
Atrás tombaram os escombros: fumegantes pedaços de tua casa, verões incendiados, sangue seco para que engorde – o último abutre - o vento. Tú segues adiante na viagem, até o tempo chamado porvir. Porque nenhuma terra te pertence porque nenhuma pátria é nem será tua, porque em nenhum país Pode acolher teu coração vazio. Nunca — e isso é tão claro — poderás abrir uma porta e dizer, simplesmente: « bom dia, mãe ». Embora efetivamente o dia seja bom, haja trigo nos campos e as árvores extendam até ti suas fadigadas ramagens, oferecendo-te frutos e sombra para que descanses.

Otro tiempo vendrá distinto a éste...
Otro tiempo vendrá distinto a éste. Y alguien dirá: «Hablaste mal. Debiste haber contado otras historias: violines estirándose indolentes en una noche densa de perfumes, bellas palabras calificativas para expresar amor ilimitado, amor al fin sobre las cosas todas.» Pero hoy, cuando es la luz del alba como la espuma sucia de un día anticipadamente inútil, estoy aquí, insomne, fatigado, velando mis armas derrotadas, y canto todo lo que perdí: por lo que muero.
Outro tempo virá distinto deste...
Outro tempo virá distinto deste. E alguém dirá: «Falas-te mal. Devias ter contado outras histórias: violinos esticando-se indolentes em uma noite densa de perfumes, belas palavras qualificativas para expressar o amor sem limite, amor acima de todas as coisas.» Porém hoje, quando a luz do Amanhecer é como a espuma suja de um dia antecipadamente inútil, estou aqui, insone, fadigado, velando minhas armas derrotadas, e canto tudo que perdi: pelo que morro.

Son las gaviotas, amor
Son las gaviotas, amor. Las lentas, altas gaviotas. Mar de invierno. El agua gris mancha de frío las rocas. Tus piernas, tus dulces piernas, enternecen a las olas. Un cielo sucio se vuelca sobre el mar. El viento borra el perfil de las colinas de arena. Las tediosas
Referências1. González Á. Antologia poética; — Madrid: Alianza Editorial, 3ª reimpressão, 2008. 2. Entrevista ao poeta Harold Alvarado Tenório. 3. Entrevista ao poeta Armando G. Tejeda. 4. Iravedra A. Poesia de La experiência; — Madrid: Visor libros, primeira edição, 2007. 5. Fundación Príncipe de Astúrias.
charcas de sal y de frío copian tu luz y tu sombra. Algo gritan, en lo alto, que tú no escuchas, absorta. Son las gaviotas, amor. Las lentas, altas gaviotas.
São as gaivotas, amor
São as gaivotas, amor. As lentas, distantes gaivotas. Mar de inverno. A água cinza mancha de frio as rochas. Tuas pernas, tuas doces pernas, enternecem as ondas. O céu sujo tomba sobre o mar. O vento borra o perfil das colinas de areia. As tediosas lagoas de sal e frio imitam tua luz e tua sombra. Gritos, lá do alto, que tu não escutas, absorta. São as gaivotas, amor. As lentas, distantes gaivotas.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também