Para a geração de escritores e artistas estrangeiros, nos anos inicias do século XX, em doce exílio intelectual, Paris era uma festa, sobretudo para os que frequentavam o chique restaurante Closerie des Lilas, no Boulevard Montparnasse, ao lado da Gare de Luxembourg. Já Victor Hugo, em Os Miseráveis, diz que Paris sempre mostra os dentes, seja para sorrir, seja para rosnar. É bem verdade também. Para quem vai a Paris se submeter a trabalho e enfrentar a burocracia francesa, Paris sempre rosna; mas se vai, para desfrutar de sua beleza, em férias, como turista, desobrigado de horários, Paris sorri.
A Place de La Sorbonne é parada obrigatória para ver a esplendorosa universidade fundada na Idade Média. Cafés na calçada, grupos de artistas se exibindo bem embaixo da estátua de Auguste Comte, pai do Positivismo. No pátio interno, a majestosa estátua de Victor Hugo, a quem os franceses deveriam prestar reverência todos os dias. Assim como Napoleão I colocou a França definitivamente na História, Victor Hugo tornou-a mais grandiosa ainda literariamente. Aliás, é impossível estudar o século XIX, sem nos referirmos a essas duas figuras emblemáticas daquela época.
Da fonte, temos uma vista esplendorosa do Sena, passando ao largo da Conciergerie, hoje, Palácio da Justiça, onde Maria Antonieta esteve presa e em cujo meio se encontra a Sainte-Chapelle, igreja de frequentes concertos eruditos e que guarda a maior de todas as relíquias do cristianismo: nada mais, nada menos do que a coroa de espinhos de Jesus Cristo... À esquerda, a incomparável e grandiosa catedral de Notre-Dame, tornada, de tão importante, personagem por Victor Hugo em seu romance Notre-Dame de Paris, mal traduzido como O Corcunda de Notre-Dame. Alguém poderá dizer que em tão pouco tempo já falamos demasiado em Hugo, mas Paris é tão hugoana, quanto napoleônica. Impossível escapar a qualquer um desses dois personagens.
Paris é uma ilha, nascida exatamente com o nome de Lutécia, bem em frente à entrada principal da Conciergerie. As pontes não deixam que o turista desavisado perceba que está saindo de uma ilha para outra. Aliás, as pontes são outro capítulo à parte. Da Petit Pont, à Pont des Arts – normalmente cheia de artistas, exercendo seu métier – , passando pela Pont Neuf, famosa pelo filme Les Amants du Pont Neuf, com Juliette Binoche, porém mais famosa ainda pela estátua equestre de Henri IV. Antes de Napoleão e depois de François I, ele foi o maior monarca que a França teve, responsável pela famoso Édito de Nantes (1599), concedendo a tolerância religiosa, numa França que se dilacerava em lutas de religião.
Voltemos a Notre-Dame. Dali podemos seguir para a esquerda e chegaremos ao Hôtel de Ville, majestosa edificação que hoje abriga a Prefeitura de Paris, outrora incendiado no episódio da Comuna de Paris (1871), que não foi muito adiante, mas pelo menos serviu para pôr um fim ao império retomado por Napoleão III – o sobrinho do outro –, e para a restauração da república francesa, que não mais recuaria. Se seguirmos para a direita do Hôtel de Ville, entraremos em um dos bairros mais charmosos de Paris, o Marais, bairro judeu, que abriga, talvez a mais bonita praça da cidade, a Place de Vosges, onde Victor Hugo morou e hoje é um museu. Visita a não perder. É no Marais, também que encontramos o Museu Picasso. Seguindo ao longo da Avenida de Saint-Antoine, sairemos na Bastilha, onde está a famosa Coluna de Julho, em homenagem aos Três Gloriosos de julho de 1830, dias 28, 29 e 30, que levaram à destituição do segundo rei de França depois da Revolução Francesa de 1789, Charles X, colocando em seu lugar o último rei de França, Louis Philippe, destituído em 1848, para que a França conhecesse um período curto de mais uma república até o golpe de Estado em 1851, resultando no império de Napoleão III, chamado sarcasticamente por Hugo de “petit Napoléon”, para contrastar com o tio, “le grand Napoléon”. Na Bastilha, vemos também o belo edifício moderno da Ópera da Bastilha, motivo de polêmica entre os franceses, que se orgulham da verdadeira Ópera, aquela…
Continuemos na avenida principal, a não menos famosa Rue de Rivoli, em homenagem a quem? Ora, Napoleão. Pela Rivoli, vamos até o Louvre, famoso museu, antes morada dos reais, cujo último inquilino foi Napoleão III. Ainda hoje, podemos visitar toda uma ala que corresponde aos seus aposentos – a perna esquerda do “u”, para quem está de frente para a pirâmida externa, tendo às costas o Arco do Carrossel.
Estamos no Louvre, entremos. O que vamos ver? Visitar o Louvre é algo que requer paciência, e não pode ser feito só de uma vez. Mas digamos que só temos um dia e que precisamos ver o essencial, então não podemos deixar de ver as peças greco-latinas, sobretudo o Hermafrodita, Marsias escorchado por Apolo, Diana na Caça, a magnífica estátua de Palas Atena, a Vênus de Milo, Eros cavalgando Centauro, Pan, as lastras do Parthenon..., guardando para o final a incontornável Vitória da Samotrácia. Depois disso, seguimos em rota batida para ver a Mona Lisa, que já não parecerá tão fascinante, pois, além de ofuscada pela Vitória da Samotrácia, está isolada por um vidro à prova de balas e há um exército de japoneses tirando fotos, que tornam impossível apreciá-la por mais de 5 segundos…
Que faremos? Atravessar a ponte e ir ver o Musée d’Orsay, onde estão os impressionistas, e um dos quadros mais polêmicos do mundo, A Origem da Vida, de Gustave Courbet, que representa um torso de mulher com o sexo à mostra e as pernas abertas, ou seguir direto pelo Louvre até o Arco do Triunfo? A bela visão do Jardim das Tulherias nos convence a atravessá-lo.
Fazendo um pequeno desvio, subindo pela Avenue de l’Opéra, chegaremos à majestosa Ópera de Paris, onde acontecem os grandes espetáculos, ali bem perto, no Boulevard des Capucines, está a casa de show de Paris – L’Olympia. Voltando pela Avenue de l’Opéra, não esqueçamos de arriscar um olhar, sobretudo à noite, na Rue de La Paix, para vermos a fantástica coluna Vendôme, em frente ao famoso Hotel Ritz, de propriedade do pai do último namorado da princesa Diana. A exemplo da coluna de Trajano, no fórum desse imperador, ou da coluna de Marco Aurélio, na Praça da Coluna, ao longo da Via del Corso, ambas em Roma, A coluna Vendôme, feita com o bronze de 1200 canhões aprisionados na batalha de Austerlitz, é em alto relevo contando a vitória de Napoleão.
Se seguirmos por uma das doze avenidas do arco, Avenue d’Iéna – mais uma homenagem a Napoleão, pela batalha ganha –, chegaremos à Torre Eiffel, passando pelo belíssimo Palais de Chaillot, descendo ao longo da sua irresistível fonte, atravessando a Pont d’Iéna, para chegar a essa estrutura imensa de ferro, do século passado, que é símbolo da França.
Não poderíamos terminar este passeio, sem uma volta de metrô – pois todo este percurso pode ser feito a pé. Vamos escolher a Linha 14 – são 14 linhas de metrô, 5 de RER e 3 de trens urbanos, circulando em Paris, nos subúrbios e cidades próximas, num percurso distribuído por mais de 400 estações. Ninguém se choque com os números, ou pense em exagero, pois Paris é uma cidade de três milhões de habitantes fixos, e mais de dez milhões de pessoas, diariamente, flutuando por ela, deixando qualquer coisa como 16000 toneladas de lixo e 3 toneladas de cocô de cachorro pelas calçadas, devidamente recolhidas, sendo as calçadas e sarjetas lavadas regularmente todos os dias.
Depois dessa pequena digressão, voltemos à Linha 14. Trata-se da linha mais moderna de Paris, totalmente automatizada, com um cais seguro, pois os usuários estão protegidos por uma parede de vidro que só se abre à chegada do metrô. Este metrô tem uma velocidade maior do que os demais, por isto é chamado de Meteor. A linha é razoalvemente curta, de Saint-Lazare a Olympiades, passando por estações das mais importantes como a Madalena, Biblioteca François Mitterand, Châtelete-Les Halles e Gare de Lyon, além de ligar o Norte com o Nordeste de Paris.
É isto, Paris.
Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor, escritor e membro da APL