Silvino é uma grande figura. Sempre teve personalidade forte. Embora seja o quinto filho de uma prole de oito de Francisco e Nair, destacava-se na família porque sempre soube o que queria. Dotado de espírito de liderança, fez amigos sinceros, os quais conserva até hoje, ao longo dessas tantas décadas de vida.
Personalidade determinada e independente, soube convencer os pais a permiti-lo estudar em Recife. Lá, morou com grandes figuras, colecionando histórias que permeiam entre temas que vão do dramático ao hilariante.
Só com Fred Pitanga, nosso primo que resolveu tornar o céu mais engraçado, Silvino vivenciou aventuras as mais diversas e divertidas, boa parte delas impublicável.
Dos seus inúmeros amigos, pelo Brasil e mundo afora, lembro-me bem do pintor paulista Cláudio Tozzi, dono de um estilo limpo e agradável de pintura, bem evidenciado em sua série das Araras. E Michel e Stephanie Lebreton, de Grenoble, França. Ele, cirurgião torácico, e ela, ginecologista.
Mas uma das características mais marcantes de Silvino é a sua capacidade de relacionar-se das formas mais inesperadas possíveis com algumas celebridades. Citarei quatro episódios.
Durante a gestão de Tarcisio Burity (Paraíba), a Espanha firmou convênio com o governo brasileiro para financiar a restauração de locações antigas, da época colonial. O motivo era a comemoração dos 500 anos do descobrimento da América.
O pacto beneficiou muitas igrejas e outros monumentos da capital paraibana, como foi o caso dos azulejos da igreja de Santo Antônio, com o convento São Francisco.
Casualmente, Silvino compareceu a um encontro agendado com a arquiteta Ana Luiza Cerrilhos, que representava o governo espanhol, e que deveria ter acontecido no então restaurante Gambrinus. Tendo chegado mais cedo, como é do seu hábito, ele viu solitário em uma das mesas, diante de uma garrafa de vodca, ninguém mais ninguém menos que Hermínio Bello de Carvalho.
Para quem não se lembra, Hermínio é compositor, poeta e produtor musical de muito prestígio no país. Entre outras músicas, compôs Pressentimento, interpretado por Elizete Cardoso; Fala Baixinho, com Pixinguinha; Sei Lá, Mangueira, com Paulinho da Viola; Retrós e Linha, com Martinho da Vila. E muitas, mas muitas outras, mesmo. Escreveu até uma ópera popular, “João, Amor e Maria,” com Maurício Tapajós. Produziu muitos shows musicais pelo Brasil. Lançou artistas e músicos que brilharam nos nossos palcos.
Presidiu a Funarte nos anos 1980. Por essa época criou o famoso Projeto Pixinguinha, que leva música por palcos de todo o Brasil. Se é que ainda não foi destruído pelo atual governo, que tem uma certa aversão à arte e à cultura.
E foi justamente a Funarte que o trouxera à Paraíba, em 1989: veio aqui para analisar quais foram os fatores responsáveis pelo fato de que tinha sido a Paraíba, naquele ano, o estado onde o Projeto Pixinguinha teve o maior sucesso em todo o Brasil.
Dotado de prodigiosa memória, ao passar pela mesa de Hermínio, Silvino disse-lhe: “Eu tenho o Pressentimento de que o conheço!”
Ouvindo aquilo Hermínio caiu na gargalhada, e convidou-o para sentar-se à sua mesa. Começava naquele momento uma amizade que dura até hoje. Pouco mais tarde chegou um mensageiro do Hotel Tambaú, que lhe comunicou que a arquiteta espanhola não poderia comparecer ao jantar, por não estar se sentindo bem.
Sùbitamente a noite tornou-se criança para Silvino e Hermínio. Guiando Hermínio por João Pessoa, terminaram tomando café da manhã no Mercado Central, vejam só!
Tempos depois, representando o Núcleo de Arte Contemporânea da Universidade Federal da Paraíba, onde era professor, Silvino viajou ao Rio Janeiro. Cumprida a sua missão ligou para Hermínio Bello. E este o convidou para almoçar no dia seguinte, um domingo, em seu apartamento no Flamengo.
Lá chegando teve um susto: sentada num sofá, pernas recolhidas, estava... ELIZETE CARDOSO!
Exatamente: a Divina em pessoa, como era conhecida nos meios artísticos brasileiros.
Foi apresentado a ela por Hermínio, tendo tido a oportunidade de exercitar todo o seu charme de cavalheiro sobre a nossa estrela musical.
Entre outras coisas, falou:
“Não vamos dizer que é um prazer nos conhecermos, porquê daqui a alguns minutos a senhora poderá achar que eu sou um chato. Ou eu achar que a senhora é quem é!”
Isso encantou Elizete, e animou o papo ao longo da tarde, regado a cervejas e músicas cantadas por Elizete. Esta gostou tanto, que quando telefonaram para ela ir ao ensaio musical que teria naquela tarde, com Baden Powell e outros músicos, aproveitou para adiar. Disse a Hermínio que ali estava mais agradável.
À noite foi-se embora para casa, dirigindo o seu carrinho popular. Pouco depois toca o telefone na casa de Hermínio: era Elizete, que lhe pediu: “Bello, diz pro professor aí que eu realmente tive o prazer de conhecê-lo!”
Mais tarde Hermínio levou Silvino para um samba no morro da Mangueira. Era um encontro musical informal, reunindo artistas, músicos e compositores, uns conhecidos e outros ainda não.
Lá, ele foi apresentado a figuras conhecidas do samba carioca. Uma delas foi Beth Carvalho, que ficou encantada quando soube que Silvino também é botafoguense! Ele terminou a noite tomando um porre na companhia engraçadíssima de Stephan Necerssian! Que também é botafoguense!
Poucos anos depois, em viagem à Itália, Silvino visitou a Universidade de Bolonha, onde pretendia realizar curso de extensão universitária. Estava na companhia de seu amigo de infância, o bolonhês Vani Visani, conversando com o professor Lino Rossi. Este estava lhe explicando que, pelo seu currículo, Silvino deveria ser Professor Visitante. Neste momento foram interrompidos por Umberto Eco, autor de vários livros, mundialmente conhecido, sendo o mais famoso O Nome da Rosa, e a quem Silvino foi apresentado.
Saindo da Universidade, Vani levou-o para comprar vinhos num lugarejo chamado Savignano sul Rubicone. A Emilia-Romanha também é grande produtora do mundialmente famoso lambrusco.
Ao entrar na vinícola foram recebidos por Emilio Pericoli, cantor mundialmente famoso pela belíssima canção italiana Al di Lá. E que abriu uma garrafa de lambrusco para saudar o amigo Vani e seu ilustre convidado brasiliano, a quem tratou muito bem.
A conversa estava muito animada, acompanhada de vinho e um presunto da casa, quando a esposa do cantor interrompe, animada: “Elas chegaram!” Emilio pediu licença, e entrou em seus aposentos. Voltou já com uma elegante peruca, trajando um vistoso paletó amarelo, e foi para a porta receber as visitantes.
Elas eram turistas, a grande maioria constituída de italianas da terceira idade, que iam até lá para conhecer Emilio Pericoli. Este, extremamente gentil, muito solicito, posava com as fãs para fotografias.
E elas retribuíam o carinho comprando lambruscos, presuntos e outras lembranças de seu ídolo.
Antes de retornar para Cesenático, Vani perguntou-lhe se ele gostaria de conhecer o Rubicão, o rio que Júlio César atravessou após desferir a famosa frase “Alea jacta est!” (A sorte está lançada!) e partir em direção a Roma, o que era proibido aos generais de então.
Silvino ficou deslumbrado com essa chance de conhecer um lugar histórico, muito importante para a história do Império Romano, que tanto estudara em seu ginásio no Colégio Pio X. E deram uma esticada para ver o rio.
Mas ele não estava preparado para o que o esperava. Pois o Rubicão estava resumido a um simples regato, cheio de tudo o que era sujeira: pneus furados, geladeiras, sacolas plásticas, cartazes de propaganda eleitoral e muitos outros dejetos...
Uma lástima. Uma grande decepção. E Silvino encerrou por ali a sua visita à Itália.