A verdade é que a morte continua sendo um mistério para muita gente. E que imagem horrível fazemos dela: um esqueleto carregando uma foice para ceifar vidas. Augusto dos Anjos arrumou para a "indesejável", várias denominações: "senhora dos nossos esqueletos", "costureira funerária", "carnívora assanhada", "semeadura terrível dos defuntos", "velha nefasta". Quantos insultos, meu Deus. Logo ele, um espírita praticante. Coisas da poesia...
E é por conta desse medo da morte que a nossa civilização ocidental faz questão de camuflá-la. Daí a maquiagem dos defuntos, as flores dos caixões mortuários, o silêncio nos velórios, onde se fala em tudo menos sobre a morte e sobre o morto. Já ouvi, em muitas dessas ocasiões, as pessoas discutirem até sobre política e negócios. Poucos refletem sobre essa significativa realidade tão presente em nossa vida. Hoje o morto não morre mais na sua casa. É que o defunto pode contaminar o espaço doméstico.
Muitos chegam até a esconder ou rasgar os retratos dos que se foram, esquecidos de que o esquecimento é a morte da lembrança. E as crianças? Cadê seus enterros, enterros que lembravam, outrora, um alegre piquenique. Esse espetáculo já não se vê em nossa paisagem urbana. É preciso que as crianças continuem ignorando essa grande realidade da vida.
Acontece que a morte existe. Existe, não como fim, mas como mudança. Mudança de estado. A lagarta morre para dela surgir a borboleta, a semente é enterrada para que a planta germine, cresça e apareça. A água que desaparece quando evapora não se extingue. Apenas se transforma. Mais adiante, ela cai em forma de chuva e volta ao estado líquido. Se tudo é assim na natureza, por que com o homem seria diferente? Nem mesmo o seu corpo não fica intacto debaixo da terra, aguardando a trombeta do Juízo Final, como pensam certos religiosos. O corpo é devorado pelos vermes para alimentar outras formas de vida.
E viva a imortalidade da vida. Que você vá hoje ao cemitério, leitor. Vá por uma simples convenção, jamais com a convicção de que seus entes queridos estão ali, dormindo em paz. Eles não morreram. Eles estão apenas ausentes, repetimos. Quando Jesus, depois da Ressurreição, encontrou Maria Madalena procurando o seu corpo no sepulcro, sabe o que lhe disse o Mestre? Disse apenas isto: "Não procure entre os mortos aquele que vive". Que bela lição! E no túmulo de Allan Kardec, lá no Père Lachaise, em Paris, esta inscrição diz tudo: "Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a lei".Que bela e consoladora mensagem!
Carlos Romero é cronista e patrono do ALCR (in memorian)